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sexta-feira, 24 de junho de 2011

BAHIA - TERRA DE TODOS OS CHARUTOS

Explicações iniciais

O mundo virtual produz fenômenos inexplicáveis. Entre eles, conquistarmos amigos com os quais jamais mantivemos contato pessoal. Pois foi Luiz Thomé, um de tais amigos que, via e-mail, agora junho de 2011, me fez recordar prezado leitor, algo que estava esquecido, morto e sepultado. Perguntou-me: E o livro, saiu? Quero divulgá-lo para as comunidades de charuteiros!!

Foi quando a ficha caiu.

Não vou cansá-los falando dos quatro meses dia e noite dedicados a pesquisas e entrevistas. Pela parte final, onde cito as fontes, vocês poderão verificar a trabalheira.

Devo apenas registrar que, por incentivo de um cidadão que se dispunha a publicar o livro, mergulhei de corpo e alma (sou assim em tudo) para tentar resgatar e retratar um pouco da história das empresas baianas de charutos. Não há nenhuma obra a respeito.

Depois, bem, depois o mecenas-incentivador desistiu. Acho que não gostou da história. No fundo, desejava um texto enaltecedor, pintado de rosa, provavelmente porque mantinha, então, pretensões de entrar no ramo. Tanto que sugerira para título do livro “Os famosos baianos”. Vendo que a realidade não era da cor que esperava, saiu-se. Deu-se por esquecido. Não brigamos. Continuamos amigos.

Os que lerem o trabalho concluirão que eu tinha razão. O texto retrata o quadro em 2009. De lá para cá, algumas empresas citadas encerraram suas atividades.

Mantenho um banco de fotos de rótulos e anéis antigos, formado ao longo das pesquisas, que deixo de publicar, posto não considerar satisfatória a qualidade das fotografias.

E, graças ao amigo Luis Thomé, eis a seguir o “livro”.
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Bahia
Terra de todos os charutos

Carvalho, Hugo Adão de Bittencourt

         Charutos baianos: quadro das empresas baianas.
                   Brasil – Cultura popular.
1.    Fábricas de charutos da Bahia: histórico e perfil em 2009.
2.    Charutos: odisseia, segredos, atualidade e desafios.


Agradecimentos

Um trabalho como este é tarefa que não se executa sozinho.

Além de meu acervo e da consulta em mananciais que, de uma ou outra forma tratam do tema, contei com valiosas informações dos depoentes entrevistados, dos fabricantes de charutos que acolheram a iniciativa de braços abertos, assim como com a cordialidade e a inestimável cooperação dos arquivos públicos, os quais permitiram a tomada de fotografias, importantes documentos de embasamento deste trabalho.

Afora tais pessoas, instituições e empresas - relacionadas ao final - devo também consignar o apoio anônimo de artesãs e artesãos do labor fumageiro, cujas experiências, a mim alcançadas pelo dia a dia de nosso relacionamento, foram de fundamental importância.

A todos, sem exceção, meus sinceros agradecimentos.
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Dedicatória

Na Bahia o ofício de fazer charutos é atividade francamente feminina.

Por isso - uma questão de justiça - este livro é dedicado às anônimas mulheres baianas – milhares - que, com seu trabalho, ao longo de século e meio, têm ajudado a construir esta odisseia.

Às primeiras que já se foram e àquelas que continuam levantando-se às madrugadas para preparar os almoços de seus maridos, antes de irem para a faina de enrolar as folhas de fumo. Que retornam ao meio-dia para por à mesa, a refeição da família. Que à noitinha, antes de cuidarem de si, tem que servir o jantar, lavar roupas, arrumar a casa e conferir os deveres dos seus filhos.

Valorosas mulheres, de cujas mãos nascem os charutos da Boa Terra.
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Homenagens

  • A Mário Amerino da Silva Portugal, empresário do ramo fumageiro, ardoroso defensor dos tabacos e dos charutos baianos, de cuja convivência fraterna desfruto, desde quando cheguei à Bahia em 1965.

  • A Benjamin Menendez, que me amparou, em 1977, nos primeiros passos do aprender a apreciar charutos, iniciando-me nesta atividade à qual tenho dedicado meia vida.

  • A Fernando Meyer Suerdieck (1924-1989), de saudosa memória, sobre cujos ombros me debrucei para vislumbrar as técnicas do plantio e do beneficiamento do tabaco.

  • A Jean Baptiste Nardi, doutor em História Econômica, escritor, pesquisador da história do fumo no Nordeste, por seus conselhos e orientações.

  • A todos os fabricantes, técnicos, proprietários de tabacarias, consumidores e estudiosos, com os quais espero continuar aprendendo.
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Homenagem especial

A Félix Menendez, competente profissional e valoroso amigo, o qual, desde quando chegou ao Brasil em 1979, tem se dedicado, de corpo e alma, em prol da qualidade da manufatura dos charutos baianos e que muito colaborou com seus conhecimentos para a feitura desta obra.

Meninos, eu vi.


Aconteceu em maio de 2003. Meninos, eu vi.

A alegre felicidade de gente aprendendo a produzir prazer.

As torcidas saindo de mãos inábeis, juntando e enrolando folhas de fumo cujo contato lhes era inédito e estranho.

Meninos, eu vi. Sobre doze tábuas alvas, ainda virgens, as úmidas folhas distendidas, tentando se contrair, opondo-se ao espalmar de mãos aprendizes.

Eu presenciei como testemunha daquele apostolar encontro, a colorida emoção capturada pelo telão mágico que ampliava os ritualísticos gestos. Vi 24 mãos, duas a duas, intentando transformar folhas de fumos em rolinhos, retratos culturais da Boa Terra.

Meninos, eu vi, e ouvi segredos do fazer charutos, saídos da mais baiana das bocas cubanas, a de Félix Menendez.

Foi numa noite paulista quase inverno que eu vi, meninos, gente como crianças, a dar os primeiros passos do fazer e começar a soletrar a palavra Charuto. Que ali, eu vi não se escrevia com C.

Escrevia-se com A de arte, A de amor, A de aprender.

E vi, meninos, sentados ao fundo da inesquecível cena, novos e experientes amantes dos charutos, formando silenciosa platéia de olhares encantados – como o meu que lá estava – no desvendar segredos de uma arte secular.

Atores e plateia viveram – eu vi, meninos – um momento único.

Fascinados, como os doze apóstolos da ceia, todos ouviram do Mestre Félix Menendez que charutos não se escrevem com C. E, ao final do espetáculo da transformação do fumo em charutos, cada ator recebeu, devidamente autografada, a tábua sobre a qual operara o milagre.

Uma material prova da presença do Mestre entre eles.

Pela primeira vez em suas vidas e na história dos charutos brasileiros.

Meninos, eu vi. Lastimo que vocês não tenham visto.
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Estrutura do trabalho

APRESENTAÇÃOJean Baptiste Nardi

PRIMEIRA PÁGINA

COMEÇO DE CONVERSA

1.      ODISSEIA

        O andar da carruagem

            Na esteira do tempo
                                    Primeiro cenário (1840/1880)
                            Segundo cenário  (1881/1910)
                            Terceiro cenário  (1911/1950)
                            Quarto cenário     (1951/2009)
       
Passado perdido

A saga de um nome famoso – Dannemann
                        Definição do alvo
                  Efeitos das guerras
                  A volta por cima
       
Lá se foram de roldão – Pimentel e Ideal

Ascensão e queda de um gigante – Suerdieck
                        Os dois irmãos
                  Um homem de sorte
                  O terceiro comandante
                  A vida não para
                  Muda o curso da história
                  O quarto comando
                  O derradeiro comando
                  Golpe final

A primeira PremiumMenendez & Amerino
                        Erro de perspectiva  
                  Mudança de foco
                  Qualidade diferenciada
                  Produção 100% manual
                  Reviravoltas e Caixa Preta

Diletantismo charuteiro – LeCigar

Correndo na frente – Chaba

Renascendo das cinzas – Leite & Alves
       
O futuro a Deus pertence – Paraguaçu
O último adeus
                  O rio vira charutos
                  Mulher de fibra

2.      PASSANDO A RÉGUA

            O novo empresariado

        Servindo a terceiros

        Prazer em conhecê-lo

Os recentes produtores

3.      ENTRE QUATRO PAREDES

            Gatos por lebres
       
        Fundos de quintal

        Atabaques & Charutos

Bravas guerreiras
           
4.      DESAFIOS

            Retrato do presente

        Remando contra a maré

        Última página
           
MANANCIAIS

            Fontes

        O autor
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Apresentação

O trabalho de pesquisa de Hugo Carvalho daria um livro. Não simplesmente mais um dos livros sobre charutos, como aqueles encontráveis em livrarias convencionais ou tabacarias. É um trabalho sobre O CHARUTO DA BAHIA, produto da nossa terra. Pela primeira vez, um autor teve a coragem de falar sobre assunto tão difícil de compreender, pela raridade e dispersão das fontes.
Quem melhor que Hugo Carvalho para falar do charuto baiano? De origem gaúcha, ele se fez cidadão de São Gonçalo dos Campos, a 15 km de Feira de Santana e 110 da Capital, onde se aposentou após décadas de trabalho nas fábricas do Recôncavo. Economista de formação, ele prestou seus serviços, entre outras, às duas maiores empresas da Bahia, a Suerdieck e a Menendez (da qual foi um dos fundadores), tanto na área da produção de fumo, quanto na fabricação e comercialização dos charutos. Mas, as competências não são profissionais só. Hugo sabe desfrutar esses prazerosos momentos em que o charuto espalha seus deliciosos sabores pelo paladar e nos quais o pensamento se perde nas volutas de fumaça, procurando as nuvens. Aí nasce a inspiração para escrever, quase semanalmente, suas crônicas Fumaças Mágicas, hoje virtuais, que publica há cerca de 20 anos.
O leitor não verá nestas páginas, como se planta o tabaco. Não aprenderá como as mãos delicadas das charuteiras enrolam, com experiência herdada de suas mães, avós e bisavós, as folhas escuras e cheirosas plantadas há séculos no Recôncavo baiano, terra predileta do charuto brasileiro. Não. Hugo preferiu outro caminho, deixando os interessados visitarem as lavouras que se estendem por nossos plácidos campos de Cachoeira, São Félix ou Cruz das Almas e verem nossas lindas charuteiras, cuja cor da pele se confunde com a das folhas que manuseiam.
Com inegável talento de contista, Hugo nos narra a história da indústria dos charutos baianos, desde os primórdios até os presentes dias. Ele foge da técnica do historiador que analisa ou comenta para alguns especialistas. Prefere deixar os fatos e os dados falarem por si, para cada leitor seguir tranquilamente os passos. Ele associa a experiência própria e suas reminiscências, com depoimentos de algumas personalidades que participaram da odisseia da indústria, entrevistas com os atuais fabricantes e com mulheres que continuam a tradição da fabricação caseira. Seu livro não é um livro de história, é um livro de estórias. 
Com ele percorremos mais de um século e meio de criação de empresas, verdadeiras sagas familiares em algumas delas, suas evoluções, seus negócios com períodos de sucessos e de dificuldades, de tristeza também quando se vê uma histórica fábrica fechar, um nome ilustre ou uma antiga e conhecida marca desaparecerem. Não seguimos uma sucessão de acontecimentos: vivemos a odisseia! Acompanhamos os desdobramentos por dentro, com a visão do ator que nos desvenda os bastidores de um mundo conhecido por poucos. Descobrimos segredos. Ficamos encantados a cada página.
Difícil é não gostar do texto. Ele foi feito para satisfazer as exigências tanto do aficionado do charuto, quanto do universitário, do técnico ou do amador de literatura. Até os inimigos do tabaco deveriam estar contentes: aqui não se faz apologia do charuto, não se ensina, nem se incita a fumá-lo.
Entretanto, implicitamente, é uma defesa do charuto. Não de qualquer um, mas sim do charuto da Bahia. Hugo Carvalho nos mostra que o produto tem uma história e faz parte da tradição e da vida do povo do Recôncavo, inclusive como elemento dos cultos afro-brasileiros. Ele nos faz lembrar com saudade – mas, com moderação – a época de ouro, quando saíam das fábricas, milhões de charutos que os brasileiros consumiam diariamente, quando milhares de famílias viviam da indústria e do comércio do fumo.
Tal tempo passou e Hugo nos ensina que não podemos deixar extinguir-se esse produto de nossa terra. Que é preciso manter acesa a chama. Ele fala em desafios, porque considera que o charuto baiano ainda tem futuro e muitas estórias pela frente. Todos os seus apreciadores esperam que, por muito tempo se possa falar em Bahia, Terra de Todos os Charutos. Por enquanto, falamos deste trabalho que assim se intitula. Aguardávamos por isso, há muito tempo. Concebê-lo e escrevê-lo foi desafio que somente alguém como Hugo Carvalho poderia realizar. Ele o fez com brilho.
Jean Baptiste Nardi
Setembro-2009
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Primeira página

Pensa o poeta

A importância do fumo
Junto a nossa economia
Vem do tempo imperial
Sendo que nossa Bahia
Foi o lugar mais propício
Não foi escolha tardia.

Quando um fala mal do fumo
Já tem outro que aprecia
Zé vive botando o fumo
No cachimbo de Maria
Tem até cabra levando
Fumo em casa, todo dia.
                      
(ANTÔNIO SILVA, 1988)


Registra a imprensa
Se existe alguma coisa a respeito da qual o mundo inteiro está 100% de acordo é que o fumo faz mal à saúde; não apenas de quem fuma, mas também, embora não se saiba claramente com que grau de intensidade, de quem está por perto []
É proibido fumar, hoje, em praticamente qualquer local fechado onde haja mais de uma pessoa []
Está banida no planeta inteiro, ou quase, toda e qualquer propaganda [] lei é lei. Tudo bem – outras coisas, nesta vida, já foram permitidas um dia e hoje não são mais, e nem por isso o sol deixou de nascer todas as manhãs.
O problema é que a proibição do fumo parece não bastar, para quem a defende [] A partir desse ponto de vista, quem fuma vai passando a ser olhado como portador de alguma deficiência moral, ou mau cidadão, ou nocivo à vida em sociedade, ou as três coisas ao mesmo tempo []
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse há pouco que todo mundo deve ter o direito de fumar desde que não incomode aos outros; garantiu, aliás, que só fuma em sua própria sala. Parece algo de muito bom senso, mas o homem só levou pancada.
Hoje em dia, quando o tema é tabaco, ter bom senso já não serve mais para dar razão a ninguém.
J.R.GUZZO (VEJA Nº 2078).
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Começo de conversa

Labuto no ramo fumageiro desde a década de 70. Trabalhei em todos os elos da cadeia, a partir do plantio do tabaco, passando pela produção de charutos e desembocando nas variadas formas de levá-los ao consumidor final. Participei da direção das duas mais importantes fábricas deste período, bem como da empresa agrícola que foi nossa maior exportadora de fumos especializados. Operei na distribuição atacadista, fui proprietário de tabacarias e da primeira empresa de marketing direto dos charutos baianos, em tempos pré-internet.

São mais de trinta anos voltados ao que, para mim, se converteu num estado d´alma: falar sobre os charutos da Boa Terra. Tanto me animou encarar o desafio de tentar resgatar um pouco da nossa memória, pois preservar o passado é garantir o futuro. É nosso direito e nossa obrigação.

Convivi com empresários das mais distintas personalidades. Alguns competentes, outros sonhadores, outros mais, sem clara visão do que foi e do que é o mercado brasileiro de charutos. Debrucei-me sobre o passado e o presente, testemunhando projetos bem sucedidos e autênticos fracassos. Convivi com ambos. No negócio posso não ter ainda aprendido como fazer, mas sei como não fazer. Meio caminho andado.

Neste andar, percebo haver faltado ao conjunto das grandes empresas charuteiras uma ação mercadológica unificada em favor de si próprias. Melhor dizendo, em prol do charuto baiano.

Deixaram-se permanecer cada qual cuidando de si. O consumidor brasileiro ficou à mercê de publicações estrangeiras as quais, como não poderia deixar de ser, prestigiam charutos de outros países.

A troca de informações, usual entre membros de um mesmo segmento, era raridade e, quando muito, segredada ao concorrente mais próximo. No jogo do esconde-esconde, uns ficaram esperando pelos outros.  Em dado momento, mais precisamente em 2001, chegou-se a cogitar a fundação da Câmara de Charutos da Bahia, a qual não saiu do papel.

No Brasil, a ausência da preocupação com os produtos naturais e suas manufaturas resultou em uma perda de espaço para outros países. No início da nossa história, tivemos o caso do pau-brasil. A seguir, lá se foram nosso ouro e pedras preciosas. Depois, testemunhamos o caso da borracha. Do café, nem se fala. Perdemos no marketing internacional para a Colômbia. Mais recentemente, o cupuaçu e a cachaça foram alvo de tentativas de apropriação externa. Agora presenciamos o abandono do cacau baiano, cuja cultura vive seu estertor. Assim vem sendo com o tabaco e os charutos produzidos no Recôncavo Baiano.

Imperativos políticos têm induzido o desaparecimento da atividade e nunca houve ajuda oficial relevante na defesa do renome dos charutos e dos fumos baianos. As tentativas de se conseguir apoio datam de muitos anos. Sempre frustradas. Em 1958, há meio século, se pleiteava a constituição de um Fundo de Recuperação da Lavoura Fumageira e da Indústria Nacional de Charutos.

Quem recorre à bibliografia charuteira, encontra diversificado material, focado em produtos não brasileiros. Mesmo entre autores nacionais, salvo honrosas exceções, reina um quase silêncio sobre nossas fábricas. Mais precisamente sobre a Bahia, centro de excelência do fumo para charutos e seus labores.

Esta obra não é um trabalho acadêmico, com gráficos, mapas e tabelas. Portanto, não nutre pretensão em ser referência bibliográfica, nem resgatou muito do que foi esquecido. Intentar fazê-lo demandaria anos de pesquisas.

Tampouco aborda a maneira artesanal como o tabaco se transforma em charutos, ou mitos que cercam sua produção e seu consumo. A técnica do fabrico e os tabus emblemáticos do consumir charutos estão descritos em vários idiomas.

É simplesmente um livro que, tentando harmonizar datas e números, revela o perfil da curva do mercado consumidor doméstico, contrapartida do segmento produtor de charutos. Que, malgrado as adversidades, continuará sempre existindo, até o dia em que, prazam os céus não aconteça, resolvam declará-lo ilegal.

Sem faltar com a verdade, realça a importância pouco percebida dos nossos charutos, proporcionando, de forma tão lúdica quanto possível, o painel da atividade de seus primórdios aos dias correntes e as vidas que se esconderam por detrás.

Nisto se resume a razão deste livro. Deixar rastros. Valorizar o que é nosso. Tornar públicos aspectos desconhecidos. Desvendar mistérios. Pontuar fatos pitorescos e curiosidades. Contestar paradigmas. Mostrar o que resta. Expor desafios. Parar para pensar.

Boa leitura e boas baforadas!

Bahia, outubro, 2009.
HC
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1. ODISSEIA

O andar da carruagem

Dos finais do século 19 até o primeiro quartel do século 20 os charutos, embora tivessem seu consumo disseminado entre as diversas faixas da pirâmide social, foram complemento da moda das classes economicamente mais favorecidas. A aura, daí decorrente, converteu-se num verdadeiro status-symbol que perpassou gerações, passando a habitar no inconsciente coletivo.

Mesmo sendo um prazer de caráter individual, os charutos permitem a satisfação de compartir. Não o produto em si, como acontece com o chimarrão dos gaúchos, mas a de trocar opiniões, tanto sobre aromas e sabores, quanto às formas e momentos mais adequados para o consumo. Prova disto são os inúmeros clubes e confrarias de charutófilos existentes Brasil afora.

Reúnam-se dois ou três fumadores. De forma inevitável, a conversa descambará para o charuto amigo e companheiro. Assim como as espirais da efêmera fumaça representam a dissipação dos limites, os charutos quando adequadamente consumidos provocam breves, mas inesquecíveis momentos.

São anos de história, charuto a charuto, num trabalho intenso, meticuloso e especializado. Conhecer isso cria deliciosas expectativas do aguardar a hora especial do consumo.

Poucos lugares no mundo reúnem condições para o plantio de um bom tabaco. A Bahia, em específico a região do Recôncavo Baiano, é um deles. Não foi por outra razão que ali surgiram grandes empresas, que fizeram mundialmente reconhecida a fama dos charutos baianos.

[] a Bahia foi parte do movimento de modernização pelo Segundo Império, que resultou numa política de imigração voltada para a produção de mercadorias. A renovação e ampliação do fumo foi o reabilitado de uma migração de alemães na época da Guerra do Paraguai (PEDRÃO, 1996).

A Bahia foi assim, o berço da indústria brasileira dos charutos.

Muito antes de dar seus primeiros passos e ser empresarialmente organizada, a atividade existia em centenas de casas humildes, sob a forma de fabrico doméstico, como natural extensão do trabalho nos campos de plantação e dos armazéns de beneficiamento do tabaco.

É provável que tal atividade deva ter se constituído no embrião, do qual se valeram os empreendedores estrangeiros, em especial alemães, para montarem seus negócios, associando, enquanto foi possível, a mão-de-obra escrava.

[] a mão-de-obra explicitamente escrava era complementada com trabalho servil, tão explorado quanto o escravo [] as diferenças entre homens livres e escravos eram, frequentemente, muito tênues [] (PEDRÃO, 1996).

Recordemos que no período colonial, todas as possessões portuguesas estavam proibidas de ter fábricas em seus territórios. É partir de 1808, com a vinda da Corte Portuguesa, que adveio a possibilidade de desenvolvimento do setor, com a abertura, em 1817, das primeiras fábricas de rapé. Até meados do século 19, o rapé foi o produto derivado do tabaco mais consumido no Brasil. A produção estava centrada no Rio de Janeiro, havendo também fábricas na Bahia e em Pernambuco (NARDI, 2000).

O charuto aparece ocupando aos poucos o lugar do rapé, em finais do século 19. [] Ligado a uma aura de masculinidade e modernidade, seu surgimento logo dividiu os adeptos do fumo em tabaquistas (consumidores de rapé) e fumistas (apreciadores de charutos). Nas ruas e saraus da época,  um e outro propagavam a preponderância de sua opção e de suas ideias.  Como o rapé significava "o velho", e o charuto, "o novo" (e não podemos esquecer que o século XX era, então, o novíssimo século), o charuto venceu, e o rapé desapareceu [] (SOUZA CRUZ, 2009).

A princípio as cidades de Maragogipe, Cachoeira e São Félix tinham posição estratégica em função dos meios de transporte de então. A primeira era o caminho mais curto para a Capital. Saveiros e vapores saindo pelo Rio Paraguaçu via Bahia de Todos os Santos, ligavam-na a Salvador. Cachoeira, mais acima do rio, era a porta de entrada para o Sertão e para a Chapada Diamantina.

Cruz das Almas, como centro produtor de charutos, aparece num segundo momento. Isto devido ao desenvolvimento das rodovias que preterem a via ferroviária e o transporte fluviomarinho, a ponto de extingui-los.

Vamos, agora, viajar no tempo. Nos próximos capítulos abordaremos esta odisseia baiana.
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Na esteira do tempo

Primeiro cenário (1840/1880)

Nos anos 40 a 80 do século 19, nas bandas do Recôncavo Baiano, Maragogipe e Cachoeira compunham um formidável entreposto comercial. As terras ao sul, onde hoje temos São Félix, Muritiba, Cruz das Almas, pertenciam à Cachoeira. Da mesma forma que as terras ao norte, todas chamadas Campos da Cachoeira, que vieram a se transformar em São Gonçalo dos Campos.

Os fumos produzidos na região eram internacionalmente conhecidos como Mata Fina. Aos mesmos se juntavam outros, produzidos em paragens ao derredor. Chegados a bordo dos comboios ferroviários, outros em montarias, estradas afora. Assim, além dos fumos Mata Fina tinham-se os chamados Mata Norte, Mata Sul e Sertão, cada qual de características próprias, exportados e que também eram matéria-prima para os charutos baianos.

É neste cenário que surgem decorrentes da acumulação de capital da atividade fumageira agroexportadora, e do aproveitamento da mão-de-obra desocupada nos períodos entre as safras, os primeiros fabricos organizados de charutos.

Conceituá-los, então, como indústrias propriamente ditas seria exagerado. Eram “fábricas-mãe” (NASCIMENTO, 1997) no geral com menos de dez operários, a cujas produções se adicionavam as encomendadas aos fabricos domésticos que proliferavam na região fumageira.

Neste primeiro momento, entre outras, emergem em São Félix, as fábricas Juventude de Francisco José Cardozo & Cia (1842), A Fragrância de José Furtado Simas (1851) e Dannemann de Gerhard Dannemann (1873); em Maragogipe, a fábrica F. V. de Mello de Francisco Vieira de Mello (1852) e a firma Nogueira & Irmão (1877). Para Cachoeira se transfere, em 1853, a fábrica Utilidade de Costa Ferreira & Penna que fora fundada em Recife, dois anos antes.

Além de tais empresas pioneiras, outras havia. Em 1877 comprova-se a existência de firmas pertencentes a Simão Duarte D’Almeida e Cândido F. Costa Oliveira em São Félix; João Martins Oliveira em Cachoeira; Francolino Hipólito dos Reis e José Neuma da Silva em Muritiba; Quintino José da Costa em Maragogipe (ARQUIVO PÚBLICO DA BAHIA).

Era gente que não mais acabava, inaugurando um autêntico núcleo de concentração pré-industrial que, além de cuidar de seu principal negócio, os armazéns de fumo para exportação, voltava-se para aquilo que passava a ser a grande novidade em caras e bocas brasileiras.

É lógico que algumas das novéis empresas charuteiras, dado seus laços com o Exterior, fruto da exportação de fumos, acionaram estes canais para projetarem além-fronteiras, suas marcas de seus charutos. Exposições eram, naqueles tempos, o mais importante meio de marketing internacional. Em 1865, na cidade do Porto em Portugal, a fábrica A Fragrância era premiada com sua primeira medalha de ouro. Isto voltaria a ocorrer com a mesma, em 1876, na exposição de Filadélfia nos Estados Unidos, e com a Dannemann, que igualmente marcou presença no citado evento.

Em 1880, as firmas existentes despejavam no mercado pouco mais que 30 milhões de charutos para serem fumados pelos 20 milhões de súditos de Sua Majestade, o Imperador Pedro II. Um consumo bruto aparente per capita de 1,5 unidades por ano. Respeitada a proporção, nossos atuais quase 200 milhões de patrícios estariam transformando em fumaça 300 milhões de charutos, por ano.

A mão-de-obra era desprotegida. As jornadas extenuantes, seis dias por semana. Domingos não eram remunerados. Férias, nem pensar. Mães levavam filhos para ajudá-las. Os custos da mão-de-obra, por isso mesmo, não eram significativos. Na produção manual de charutos, o fumo despontava como sendo o mais importante item no custo direto da produção.

Os pioneiros viviam mais ou menos em paz, embora o governo provincial da Bahia começasse a voltar sua gula arrecadadora para a atividade.

Segundo cenário (1881/1910)

No decurso destes trinta anos o mercado produtor efervesce. Além de Gerhard Dannemann que vivia na Bahia desde 1872, aporta na região outro personagem que, da mesma forma, irá gravar seu nome na epopeia charuteira, August Wilhelm Suerdieck (1888).

Acelera-se o processo de surgimento de novas empresas.

Em São Felix despontam as fábricas Stender & Cia e Michaelense de Theotônio Magalhães & Cia, bem como ali vamos encontrar funcionando Dias Barreto & Cia e Cruzeiro do Sul de José Maurício Vianna.

Em Muritiba, então arraial de São Félix, se implanta a fábrica São Felista de F. Ferreira & Cia.

Em Maragogipe, começam a funcionar as fábricas Victoria de Antônio Caetano da Silva e Suerdieck de August Suerdieck.

Na Vila do Curralinho, que fora distrito de Maragogipe, operava a fábrica Central de Francisco Barros Lordello.

Em Cachoeira, além da instalação de uma filial da firma gaúcha Poock & Cia, cuja fábrica foi batizada por Secção Bahiana, estavam presentes Zacharias da Nova Milhazzes, Lucas Frey & Cia, F. A. Jezler e a fábrica Amazona de Araújo & Cia.

Em Salvador, entre outras, encontramos Pacheco & Cia, assim como as fábricas Modelo de Thomé Pereira de Araújo, Liberdade de Antônio Correa e Havaneza de Manoel Correia Machado.

Com tanta gente intentando lugar ao sol e por força de variados acontecimentos, elencando-se, entre outros, mortes, escassez de capital, insucessos, associações para fortalecimento recíproco, é natural que um processo progressivo de fusões, incorporações ou sucessões, começasse a se configurar. Naquele tempo, tudo acontecia com bastante simplicidade. A burocracia não era a dos dias correntes.

Foi o caso da fábrica A Fragrância a qual, dado a morte de seu fundador, passou a ser administrada pela firma Viúva Simas. Esta, não podendo sozinha tocar o barco, associa-se ao empresário Bernardo Rodemburg, formando a empresa Simas & Rodemburg (1899). Cinco anos depois, nova alteração, passando a chamar-se B. Rodemburg & Cia. Não durou muito. Ano seguinte, 1905, a fábrica desaparece do cenário e suas marcas são adquiridas por Stender & Cia.

Outra viúva também assume os negócios do extinto marido. A fábrica Havaneza passou a ser gerida pela empresa Viúva Correia Machado.

Em Maragogipe, a firma individual Francisco Vieira de Mello se transforma em A. Vieira de Mello & Cia, cuja fábrica passa a ser chamada Vieira de Mello, nome que se perpetuou.

Em 1899, a empresa individual F. A. Jezler associou-se com Roberto Gustavo Hoening, incorporando a antiga fábrica Lucas Frey & Cia, daí advindo a empresa Jezler & Hoening batizada como Fábrica Flor da Bahia.

Com a marca de sete realizadas, este segundo cenário foi pródigo em exposições.

Em Antuérpia (1885), Berlim (1886) e Chicago (1883), a fábrica Dannemann foi premiada. Na feira de 1904 em St. Louis, além da Dannemann, compareceu Costa Ferreira & Penna, sendo ambas agraciadas. Na exposição nacional do Rio de Janeiro (1908), a par das duas citadas empresas, também a Suerdieck se fez presente, sendo todas reconhecidas pela qualidade de seus produtos. Em 1910 a Dannemann, confirmando sua vocação para o mercado externo e seu maior potencial econômico, comparece a dois outros eventos, Bruxelas e Buenos Aires. Medalhas no peito.

E, como os exemplos quase sempre vêm de além-mar, em 1891, Rui Barbosa ministro da Fazenda, mirando-se nas experiências tributárias dos Estados Unidos, Inglaterra, França, Rússia e Itália, propõe um imposto de consumo sobre o tabaco. O segmento mais afetado foi o dos charutos. Os protestos da classe produtora foram generalizados.

A taxa criada não estabelecia variantes para charutos de preços distintos. Era uma só, por unidade. Assim, um charuto considerado de primeira linha que custava 100 réis, a partir do novo imposto, tinha seu preço de venda aumentado em 5%. Em contrapartida, os produtos mais populares e de maior consumo, que custavam 10 e 2 réis, passaram a custar de 50% a 250% mais caros (NARDI, 1985). 

O desconhecimento e a insensibilidade dos legisladores quanto às inerências do mercado, incluindo-se a falta de representatividade política dos empresários charuteiros – imagine-se, Rui Barbosa era baiano - passavam a atormentar o setor.

Em 1910 a população brasileira, tipicamente rural posto que apenas a terça parte vivesse nas cidades, era representada por 24 milhões de habitantes. Consumiam-se, então, algo ao redor de 70 milhões de charutos (NARDI, 1985). O consumo nacional anual bruto per capita subira de 1,5 para 2,9 unidades. Crescimento, no decurso de trinta anos, superior a 90%. Extrapolando-se o novo índice para os dias correntes, as empresas charuteiras estariam produzindo cerca de 580 milhões de charutos para o mercado nacional.

A partir de 1903 os charutos começarão a se defrontar com os cigarros “que já vinham prontos”. Chegam ao mercado os cigarros Dalila, balizando a entrada, no cenário, da indústria cigarreira nacional de porte, cujo crescimento irá contribuir para a futura queda de consumo dos charutos.

Terceiro cenário (1911/1950)

No período ora enfocado a sociedade brasileira deixará de ser predominantemente agrária. Nas cidades surgirão a burguesia industrial, a classe média e o proletariado. A importância econômica do grande entreposto comercial formado por Cachoeira e São Félix começará a declinar. A construção da estrada Salvador-Feira de Santana, na década dos anos 20, facilitando o acesso rodoviário à Capital, representará redução do movimento fluviomarinho Cachoeira-Salvador.

A produção charuteira baiana vai atingir seu apogeu, o processo de expurgo dos pequenos fabricos se acentua, fortalecendo-se a concentração empresarial. A importância da manufatura de fumos passou a ser tanta que, segundo censo de 1917, 4 empresas charuteiras e cigarreiras constavam entre as 100 maiores indústrias nacionais.

Funcionavam na Bahia 164 estabelecimentos industriais de beneficiar fumo (A TARDE, 1920), mas nos idos de 1919, em realidade, apenas cinco fábricas, Suerdieck, Stender, Costa Penna, Vieira de Mello e Dannemann, dominavam 48% do mercado, produzindo em conjunto 61,2 milhões de charutos (MESQUITA, 2003). Ano seguinte a participação das mesmas chegou a 75% (NARDI, 1985).

Nesta fase as firmas Aug. Suerdieck (exportadora de fumos) e A. Suerdieck (manufatura de charutos) se fundem, formando a empresa Suerdieck & Cia. (1914).

Por decorrência dos reflexos da Primeira Guerra Mundial, desaparecem inúmeros fabricos sem maior expressão, satélites das grandes charuteiras.

Jezler & Hoening se transforma em Hoening & Cia em 1911. Cinco anos depois, o controle de sua fábrica Flor da Bahia, passa para as mãos de firma individual R. Gaschlin.

A fábrica Amazona de Araújo & Cia entra em processo de liquidação. Suas marcas são compradas pela Companhia de Charutos da Bahia (1920).

As firmas Dannemann e Stender se unem, tendo como sucessora a Cia. de Charutos Dannemann (1922).

A fábrica Leite & Alves, então apenas produtora de cigarros, se transfere de Salvador para Cachoeira (1936).

Nasce em Muritiba a fábrica Pimentel de C. Pimentel & Cia (1937) e a Vieira de Mello sai do cenário de Maragogipe em finais dos anos 30, sendo seus prédios adquiridos pela Suerdieck (1940).

Em decorrência da II Guerra Mundial os empregados alemães são perseguidos e demitidos sem direito a nada. Conflitos nas fábricas. As instalações da Dannemann são depredadas e a empresa vai começar a amargar franco declínio, vindo a fechar suas fábricas de Maragogipe, Muritiba e São Felix (1948).

Nos 40 anos ora narrados, a classe trabalhadora alcança significativas conquistas o que, por outro lado, veio redundar em gradativas majorações nos custos de produção dos fabricantes.

Não percamos de vista que charutos feitos à mão são compostos por dois insumos fundamentais, um visível, outro invisível. Tabaco e mão-de-obra. Assim, seu custo de produção está irremediavelmente atrelado à evolução de tais componentes básicos.

Em 1917 o trabalho feminino e o infantil são regulamentados. Estipulavam-se cargas horárias, proibindo trabalho de mulheres à noite e de grávidas nos meses anterior e posterior ao parto.

Em 1940 é instituído o salário-mínimo, tendo como maior valor nacional 240 mil réis. Havia treze patamares regionais de valores inferiores ao teto. O estipulado para o interior da Bahia era, por certo, menor que a metade do máximo. Para se ter ideia, as diárias pagas na época variavam de dois a cinco mil réis (CASTRO, 1941).

Em 1942 o padrão monetário é alterado. O Mil-réis se transforma no Cruzeiro. Ano seguinte é promulgada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) – conquistas do operariado, aumento do custo de produção das fábricas – e o maior salário-mínimo, ao final do ano, correspondia a 300 cruzeiros.

O gradativo aumento do custo da mão-de-obra foi a razão da fábrica Suerdieck iniciar um processo de mecanização, redundando na dispensa de 300 operários (1949).

Neste período a Dannemann participou de três exposições, em todas premiada: Turim (1911), Gand na Bélgica (1913) e na exposição do Centenário da Independência, no Rio de Janeiro (1922). Ao que parece, os demais produtores, ausentes, andariam mais centrados e preocupados com os negócios no mercado interno.

A produção nacional de cigarros sobe vertiginosamente. Em 1930 atingira a casa dos seis bilhões. Neste mesmo ano, os 37 milhões de brasileiros consumiram 130 milhões de charutos. Era como se cada um houvesse fumado 3,5 unidades no decurso de 12 meses. O mercado atingira seu ápice. Mantida tal  velocidade de consumo, ora estaríamos fumando cerca de 700 milhões de charutos por ano.

Vinte anos após, ao final do presente cenário, o consumo nacional relativo voltaria ao patamar de 1910, algo ao redor de 2,9 unidades per capita por ano. Conta fácil de ser feita. Em 1950 éramos 52 milhões de brasileiros consumindo 150 milhões de peças. Neste ano a Suerdieck, sozinha respondia por dois terços do abastecimento geral.

A tal altura, a maior parte das empresas havia desaparecido e duas das restantes, estavam às vésperas do colapso. Mau sinal, pois um negócio só é bom quando todos nele envolvidos lucram e se dão bem. O segmento irá mergulhar numa fase muito difícil vivida por uns de imediato e por outros mais adiante.

Quarto cenário (1951/2009)

A partir dos anos 50 o consumo nacional de charutos passa a declinar de forma magnífica. O hábito de fumar migrava para os cigarros, despejados aos bilhões Brasil afora, amparados por forte merchandising no cinema e ampla propaganda. Pela análise de anúncios e notícias na imprensa deste período, nota-se claramente que os charutos perdiam sua relevância no contexto. Deixavam de marcar presença. 

A Dannemann em 1951 volta a produzir não resistindo muito tempo. Em 1955, tanto ela, quanto a fábrica Costa Penna saem do mercado. Paradoxalmente, neste mesmo ano, a Suerdieck comemora seu cinquentenário, inaugurando um edifício-sede no centro comercial de Salvador. Suas vendas no mercado interno, entretanto, seguiam em queda livre. À luz da perspectiva do tempo, tenho impressão que tal medida, na contramão dos acontecimentos, fora uma tentativa de revigorar a imagem da empresa, então bastante combalida pela série de problemas com os quais se defrontava.

Cumpre evitar as pavorosas consequências que trariam o fechamento ou extinção da indústria fumageira, bradava o jornal CORREIO S. FELIX, em 1954. Os protestos se centravam nas restrições às importações de matérias-primas, nos impostos, nas barreiras alfandegárias e nos pesados ônus das exigências fiscais e trabalhistas. Também não deixavam de se referir à concorrência desleal do mercado subterrâneo de charutos.

Em um supremo esforço para se manter operando, a Leite & Alves, que produzia cigarros, sem poder de fogo para enfrentar a concorrência das empresas cigarreiras modernizadas, dá a volta por cima e ingressa, com sucesso, no mercado de cigarrilhas em 1951. Não resiste à concorrência da Souza Cruz que resolvera fazer o mesmo em 1967. Fecha as portas em 1976.

Estando praticamente sozinhas Suerdieck e Pimentel, novos empresários são atraídos para o ramo.

Assim é que, nos anos compreendidos entre 1971 e 1981, se estruturam na região a pequena fábrica Ideal em Muritiba; a firma H. Madeiro, que virá a ser o embrião da atual fábrica Leite e Alves; o fabrico da Paraguaçu em Cachoeira e a Menendez & Amerino. Esta última em São Gonçalo dos Campos, especializando-se no segmento do extrato superior de consumo, charutos de primeira linha.

Com as dificuldades vigentes para importação de charutos estrangeiros e o charme de um sócio cubano, a Menendez sacode o mercado e encontra um nicho, até então pouco explorado pelos demais produtores. Pelo que veremos, esta companhia, mesmo sem ter consciência disto, irá balizar o futuro do mercado nacional.

O consumo interno em 1980 era estimado entre 22 e 25 milhões de charutos (GAZETA MERCANTIL, 1980). Acrescentemos as cigarrilhas e o charuto então produzidos da Souza Cruz, que não costumavam ser computados, algo como 50 milhões de unidades anuais. Fiquemos, portanto com 75 milhões. Neste ano, a população andava em 119 milhões de habitantes. Feitas as contas, nosso consumo relativo representava uma média bruta per capita anual de 0,63 unidade. Sendo assim, no espaço de três décadas, o consumo absoluto caíra 50,0% e o relativo 78,2%. Enquanto isto, o consumo de cigarros seguia subindo, ultrapassando a casa dos 142 bilhões de unidades (RIZZIERI, 2008).

Na década que se iniciava novas aflições e adversidades.

O salário-mínimo no Recôncavo Baiano que houvera obtido avanços correspondendo, então, a 70,8% do maior valor nacional, dado a unificação do piso, irá representar um aumento real do custo da mão-de-obra regional em 41,3% (1984). Serão inevitáveis os reflexos nos preços de venda.

Correndo por fora, a penalização tributária associada ao intenso lobby contra o tabaco, que nas bandas europeias reduzira a proporção de adultos que fumam de 40% para 35% entre os anos 78 e 84, também se articulava no Brasil. É criado o grupo assessor ao Ministério da Saúde para controle do tabagismo no Brasil. Charutos e cigarros foram jogados na vala comum (1985).

Virá mais chumbo pela frente.

A alíquota do IPI – o imposto que incide sobre os produtos industrializados – é duplicada para charutos e cigarrilhas, passando de 15% para 30% (1986). Como consequência, os preços tiveram que ser aumentados em 13%, afugentando mais os consumidores. Ainda em função do aumento da carga tributária, decorre forte descapitalização do setor, oriunda da necessidade adicional capital de giro e do maior custo financeiro.

A empresária Gisela Suerdieck, por ocasião da festa dos 50 anos da fábrica Pimentel em 1987, em seu discurso bradava: [] Os primeiros meses deste ano foram um travo a amargar nossas gargantas. Novo congelamento, só que desta feita, nos preços internos. O dólar continuou sendo valorizado. Noutras palavras, custos diariamente se elevando [] A onda antitabagista que invade nossos lares está querendo fazer cada fumante sentir-se um criminoso [] Ainda neste ano é criado o Programa Nacional de Combate ao Fumo.

Abro agora um parêntese para registrar detalhe que tem passado despercebido.

Em 1987 a Souza Cruz, que seguia produzindo cigarrilhas e dominava 90% deste segmento, fabricava também um charuto pequeno o qual, em termos de marca, era o que mais vendia no mercado interno. Por ser barato e consumido nas camadas populares, não costumava aparecer nas estatísticas charuteiras e, muito menos, nas lojas especializadas. Mas o fato é que eram comercializadas cerca de oito milhões de unidades anuais de tal charuto, embora a companhia cigarreira tivesse condições de produzir até 12 milhões anuais (DCI 1987). Mesmo assim, cerca de dez anos após, a Souza Cruz, considerando a atividade economicamente desinteressante, irá paralisar a produção de sua fábrica Inducondor, sediada em Petrópolis, RJ.

Vamos em frente.

Em 1988 são impostas frases de advertência nas embalagens; são recomendadas medidas restritivas ao fumo nos locais de trabalho; criam-se os fumódromos; reduz-se o prazo de recolhimento do IPI de 30 para 10 dias. O patronato começa a pensar duas vezes, antes de admitir empregados. Afinal seria preferível um não fumante, a um que, de vez em quando, escapasse em direção aos tais fumódromos. Por outro lado, houvesse mais capital de giro!

A inflação anual anda nas alturas, alcançando 1.037% e seguirá estratosférica por sete anos. Desaparece a unidade produtora da Ideal em Muritiba. Suas marcas passam a ser produzidas pela Suerdieck. Uma fábrica a menos no cenário. É promulgada a nova Constituição Federal determinando regulamentação à publicidade do tabaco.

Em 1989, o ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias - é aumentado de 12% para 25% nas vendas interestaduais. A medida representou reajustes de preços na ordem de 33%, sem benefício algum para os fabricantes.

Com a abertura às importações, os charutos estrangeiros começaram a aparecer no mercado doméstico. Ante a novidade e os preços cada vez mais caros dos produtos baianos, as marcas premium de charutos brasileiros sentiram o peso da inédita concorrência.

A Pimentel, já sob o controle da Suerdieck, continuava com sua fábrica operando. Por pouco tempo. Em 1990 foi fechada definitivamente. Neste mesmo ano, o Ministério da Saúde dispõe sobre a publicidade de produtos do fumo.

Nos anos que se seguiram, estimuladas pela legislação do SIMPLES que permitia englobar o pagamento dos impostos numa só alíquota reduzida, desde que o faturamento ficasse dentro de determinados valores, surgem novas empresas charuteiras. Por certo, se pudessem prever o que as aguardava, haveriam pensado duas vezes.

De forma que brotaram como cogumelos entre 1997 e 2007, as empresas LeCigar, Matheó, Chaba, Dornelas, MR Charutos, Josefina, Talvis, Internacional, Tabacos da Bahia, Luiz C. Sandes, Maria G. S. Velame, Leite e Alves, Don Francisco, Puro Design, A. A. Julien, São Salvador, R. Vieira Oliveira e Tabacos Mata Fina. Algumas, inclusive, surgiram e desapareceram no citado período.

As novas empresas, sem exceção, foram atraídas por um ou mais dos seguintes fatores: 1) planos de comercialização no mercado externo; 2) legislação favorável do SIMPLES que permitia praticar preços mais atraentes; 3) vácuo que se abrira no mercado nacional, decorrente do final melancólico da Suerdieck em 1999.

Para todas o tempo propício foi curtíssimo. Exportar charutos não é fácil. Que o ateste a Menendez & Amerino, intentando tal segmento desde 1978. Pior ainda, as novas empresas, da noite para o dia, foram excluídas do direito aos benefícios do SIMPLES (2007). Adeus, vantagens competitivas!

E enquanto os novos empresários iam aparecendo e se acotovelavam, disputando entre si e com os produtores estrangeiros, o mercado consumidor cada vez mais estreito e elitizado, prosseguiam as medidas restritivas contra a atividade.

Em 1995, uma portaria interministerial recomendava às emissoras de televisão evitar a transmissão de imagens nas quais entrevistados, convidados ou personalidades conhecidas do público, aparecessem fumando.

No ano 2000 o Brasil, de olho no mercado cubano, visando beneficiar suas exportações para lá, firma acordo econômico com Cuba, dando como contrapartida ao referido país, isenção de pagamento do imposto de importação sobre seus charutos entrados em nosso país. Os consumidores nacionais vibraram. Os produtores baianos em vão protestaram.

A concorrência subterrânea que sempre existiu no Brasil no segmento dos charutos populares, procedentes de fabricos domésticos, se amplia. Passa a acontecer também, na linha de charutos premium. Surge o contrabando de marcas estrangeiras.

Não bastando as frases de advertência nas embalagens, exigidas desde 1988, as empresas foram obrigadas a colocar imagens, bem como tiveram que começar a pagar taxas de fiscalização sanitária para registro e renovação de produtos do tabaco (2001).

Em 2002 a odisseia prossegue. Outro aumento da carga tributária. A Bahia cria o Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza e para custeá-lo majora de 25% para 27% a alíquota do imposto sobre circulação de mercadorias nas vendas de charutos dentro do Estado.

Ano seguinte é proibida a comercialização dos produtos derivados do tabaco, via Internet.

Para finalizar este passeio na esteira do tempo, em 2005 entra em vigor a CQCT - Convenção Quadro para o Controle do Tabaco, primeiro tratado internacional de saúde pública, envolvendo 192 países membros da Organização Mundial de Saúde, com o objetivo de proteger gerações presentes e futuras das consequências sanitárias, ambientais e econômicas, geradas pelo consumo e pela exposição à fumaça do tabaco. Penso que, se tal louvável propósito se referisse à fumaça dos automóveis, em vez da fumaça do tabaco, um serviço muito maior estaria sendo prestado à humanidade.

Ah! Ia me esquecendo. Lembram-se quando registrei que, nos primórdios da atividade, a incidência do valor da mão-de-obra no custo dos charutos feitos à mão, era absolutamente inexpressiva?

Pois bem e para não regredirmos muito no passado. Na entrada em vigor do Plano Real (1994) o salário-mínimo, sem computar os custos sociais e trabalhistas que advieram ao longo da história, se situava num contravalor de 70 dólares e agora, em 2009, anda na casa dos 238 dólares. Antigamente se fumava tabaco, hoje se fuma mão-de-obra.

Pelas repercussões de tudo isto, o consumo nacional seguiu encolhendo. Do retrato atual do mercado brasileiro, tanto produtor quanto consumidor, bem como dos desafios enfrentados, irei tratar na última parte deste trabalho.
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Passado perdido

As marcas comerciais, parte do passado perdido, são retratos na parede de nossa memória charuteira. Através de seus registros no período compreendido entre 1888 e 1924, acompanhados dos respectivos rótulos, foi possível pinçar dados e armar parte do quebra-cabeça das informações deste capítulo. O trabalho permitiu, ao mesmo tempo, relacionar alguns fabricantes nem sempre lembrados.

Mais ainda. Deixou trazer a lume, empresas charuteiras instaladas em Salvador, em finais do século 19 e inícios do século 20. Para lembrarmos que, não foi só no Recôncavo Baiano como usualmente se concebe que os pioneiros da epopeia estiveram presentes.  Vale dizer que a maioria das fábricas soteropolitanas, se não todas, eram paralelamente voltadas à produção manual de cigarros. Nada mais justo, portanto, que tenham sido implantadas no maior mercado consumidor, a capital do Estado.

Sendo muito amplo o acervo iconográfico limitei-me, como não poderia deixar de ser, a documentar apenas algumas marcas entre as muitas que foram esquecidas.

São singulares registros para quem sabe, em futuro trabalho, possam ser todas resgatadas e oferecidas ao público brasileiro. Preservar a memória é ação de cidadania. Documentá-la, através das marcas, é oportunidade de preservar nossa cultura.

Tal o propósito deste capítulo. Relacionar, com base nos registros de marcas, algumas fábricas de charutos de finais do século 19 e inícios do século 20. Um autêntico passado perdido. A relação a seguir tenta estabelecer uma ordem cronológica sequencial das 24 empresas detectadas. As que não tiveram apurados seus respectivos anos de fundação constam da cronologia tendo-se como referência os anos de seus primeiros registros de marcas.

Assim sendo, voltemos ao passado.

1842
  • FRANCISCO CARDOZO & CIA - FÁBRICA JUVENTUDE
Ainda funcionava em 1897, ano em que registrou a marca Quinteto. Segundo fonte secundária, esta fábrica teria sido fundada em 1842, em São Félix, então pertencente a Cachoeira (SILVA, I.M., 2008).

1851
  • ARTHUR FURTADO SIMAS - FÁBRICA A FRAGRÂNCIA
Fundada no ano em referência, esta firma individual funcionou no Largo dos Artistas, em São Félix. Por vezes se encontra o nome de José Furtado Simas, possivelmente irmão do fundador.
A fábrica A Fragrância participou das exposições nas cidades de Porto, Portugal e Philadélfia, USA, respectivamente em 1865 e 1876, sendo premiada em ambas.
Segundo propaganda da empresa, na imprensa em 1892 (A PATRIA, Nº 1, São Felix), seu fundador era falecido no referido ano, posto que sob o nome de fantasia da empresa, constava Viúva Simas.
Deduz-se também, pela pesquisa dos registros das marcas Chineza e Carlo em 1893, que a sucessão da firma Viúva Simas, girou sob a razão jurídica Simas & Rodemburg (1899).
Em 1904, nova transformação, desta feita para B. Rodemburg & Cia. Um dos sócios desta última, Bernardo Rodemburg, antes também se dedicava ao fabrico de charutos sob a denominação B. Rodemburg. Neste ano se localiza o registro da marca Dalila. Fica a indagação: teria sido pelo fato de, no ano anterior, haverem surgido no mercado os cigarros Dalila, os primeiros cigarros que já vinham prontos?
Supõe-se ainda, que B. Rodemburg & Cia, se extingue em 1905, quando suas marcas são compradas pela fábrica Stender & Cia. Esta empresa, por sua vez, irá se fundir com Dannemann & Cia, em 1922, gerando a Cia. de Charutos Dannemann.
Pela sucessão dos registros das marcas inicialmente pertencentes à Fábrica A Fragrância, observa-se, num dado momento, o nome da firma Herm. Stoltz & Co. do Rio de Janeiro, como compradora da titularidade das referidas marcas. Tal acontece ao se extinguir a firma B. Rodemburg & Cia. Registre-se que Herm. Stoltz & Co. mantinha estreitos laços com Dannemann & Cia, a qual irá em 1922 se unir à Stender & Cia para formarem a Cia. de Charutos Dannemann.
Curiosidade: a marca Carlo que mostrava um jovem, quase menino, fumando, mais adiante, em 1906 na gestão de Stender & Cia, terá seu visual modificado para um adulto sentado à mesa de um bar.

  • COSTA FERREIRA & PENNA - FÁBRICA UTILIDADE
Também fundada em 1851, pelo português Manoel da Costa Ferreira, na cidade de Recife, transferiu-se dois anos após para São Félix. Sabe-se que em 1892 funcionava à Rua 20 de Dezembro, nesta última cidade, não se podendo precisar se ali fora o endereço inicial no Recôncavo Baiano.
Quando da morte do fundador, seu filho Manoel Costa Ferreira Filho e o então gerente, Manoel da Costa Penna, ingressaram na sociedade. Desconhece-se, pois, o nome primitivo da empresa a qual, provavelmente, tenha sido uma firma individual. Todos os registros encontrados incluem o nome Penna na razão social o que, de fato teria acontecido após a morte do velho Costa Ferreira.
Em 1914 ingressam na sociedade Manoel Costa Ferreira Júnior, neto do fundador e Luis Costa Penna, filho de Luis Costa Penna, simplificando-se a razão social para Costa Penna & Cia.
Dezessete anos após, morre Manoel da Costa Penna. Em 1935, em natural sucessão familiar, são admitidas na sociedade Clarisse Barros Penna e Etelvina Almeida Costa Ferreira.
No período da II Guerra Mundial a empresa, além da matriz em São Félix, contava com filiais em Muritiba e Cachoeira, ocasião em que a denominação social passou para Costa Penna & Cia. Ltda.
Lembre-se que o mercado nacional era então, fortemente dominado pela Suerdieck, ocupando a Costa Penna o segundo lugar. Com o processo de mecanização das marcas populares implantado pela fábrica líder, nos anos 50, por certo que a Costa Penna, não pode acompanhar a guerra de preços implantada, dado ao diferencial de custos de produção. Isto, associado aos problemas enfrentados pela indústria charuteira no pós-guerra (falta de transporte de cabotagem, abastecimento de madeiras para produção das caixas) deve ter levado a uma gradativa deterioração dos negócios da Costa Penna, que vem entrar em falência em 1955.
Mesmo assim a empresa gravou se nome de forma indelével na odisseia charuteira baiana. Prova disto as inumeráveis marcas que foram registradas pela empresa, entre as quais se destacam: El Palhaço e Trifólio em 1892; Angelina, La Sympathica e El Cariño em 1893; Fábrica de Charutos Utilidade em 1903; Corneteiro em 1905; Ideal em 1907.
Para encerrar, três curiosidades.
A antiga marca El Palhaço, voltou a ser registrada em 1922, com a mesma imagem, mas com o nome simplificado para Palhaço.
A marca Ideal mais tarde, anos 60/70, irá ressurgir no mercado, produzida em Muritiba pela empresa conhecida por tal nome e que veio a ser absorvida pela Suerdieck em 1988.
A marca Angelina, com nova apresentação visual, volta a aparecer no mercado brasileiro, no início do corrente século, produzida para terceiros pela fábrica Tabacos Internacional da Bahia Ltda.

1852
  • VIEIRA DE MELLO & CIA. - FÁBRICA F.V. DE MELLO
Fundada em Maragogipe por Francisco Vieira de Mello, a empresa funcionou por muitos anos sob o nome do seu fundador.
As marcas registradas até 1909 o eram em nome da pessoa física. A partir de 1910 passam a ser em nome de A. Vieira de Mello & Cia. Foram os casos das marcas Real Jóia e F.V.de Mello – Fábrica de Charutos, registradas em 1903 e 1904, respectivamente.
Em 1920 localiza-se rótulo com o registro da marca A. Vieira de Mello & Cia que foi correta denominação da sociedade e não Vieira de Mello & Cia, conforme tem sido usualmente divulgado.
Em 1877 encontra-se a citação do nome de Manoel Vieira de Mello, possivelmente um irmão, acerca do qual se lê no Livro de Matrícula de Comerciantes, período 1854/1896, registro nº 378 de 18 de maio de 1859, Arquivo Público do Estado da Bahia: [] Manoel Vieira de Mello, cidadão brasileiro, domiciliado na cidade de Maragogipe, apresentou para registro na data à margem, a sua Carta de Comerciante, matriculado de grosso, tanto nos ramos de molhados, na compra de gêneros do País, para exportar, passada pelo Tribunal de Comércio desta Província []
A empresa, nos primeiros anos de atividade, teve presença marcante no mercado. Sua importância passou a declinar nos anos 20 do século passado.
Em documento datilografado, datado de 28 de agosto de 1923, existente no Arquivo Público Municipal de São Félix, relacionavam-se o Ativo e o Passivo da fábrica, “até a morte do inventariado”, sem citar nominalmente quem. Ao que tudo indica, teria sido o fundador, Francisco Vieira de Mello.
Na moeda da época, o mil-réis, os bens da empresa totalizavam Rs. 240:281$905, sendo compostos por Mercadorias: Rs 139:032$400; Propriedades: Rs 51:000$000; Móveis e Utensílios: Rs 14:175$000; Dinheiro em espécie: Rs 2:747$720; Saldo em conta no Banco Alemão: Rs 29:629$050 e Lucro dos charutos vendidos: Rs: 3:699$735. Já seus passivos totalizavam Rs 159:674$473 sendo compostos por Diversos Credores: Rs 74:456$132; Funeral: Rs 1:151$300 e Despesas para compra de um mausoléu: Rs 5:000$000. Isto significava que a firma, contabilmente, valeria Rs 80:607$432. O fundo de comércio, ou seja, o valor de mercado de suas marcas, no referido documento, não foi citado, nem valorizado. Coisas da época.
Os derradeiros sócios foram Albertino Vieira de Mello Peixoto e José Fábio Peixoto.
Entrou em processo de insolvência ao final dos anos 30, vez que de acordo com a imprensa da época, seus edifícios foram adquiridos pela Suerdieck em 1940.

1877
  • NOGUEIRA & IRMÃO
Sabe-se apenas, que esta empresa funcionava em Maragogipe no ano 1877. Não foram localizadas outras informações.

1890
  • PACHECO & CIA
Fábrica sediada em Salvador à Praça do Comércio, 03. Já funcionava em 1890, quando registrou a marca Diavolo. Por certo operou até 1892, ano em que a citada marca passou à propriedade de João Vicente Ribeiro e, a seguir, em 1893, para Dannemann & Cia.

  • STENDER & CIA
Ano fundação: 1890
Cidade: São Felix, Largo dos Artistas, Nº 2 - 6
Pelo que se deduz dos processos consultados, em 1905 foi sucessora da Fábrica A Fragrância, fundada por Arthur Furtado Simas, em 1851.
Algumas marcas registradas em 1905: Vitoriosos, Patrícia, Querida, Pio X, Dr. Murtinho.
Em 1906 localizaram-se registros de Maricotta e A Bella Africana.
Quanto à marca Carlo não se localizou o registro original e apenas um rótulo no Arquivo Público de São Felix. Note-se que ao tempo da firma antecessora (Arthur Furtado Simas) houve igual marca com iconografia totalmente distinta.  A marca primitiva apresentava um jovem, quase menino, fumando e sugestivamente, sob o nome Carlo constava a palavra, em espanhol, Primeros. Fato compreensível numa época em que o politicamente correto não existia.

1892
  • THEOTÔNIO MAGALHÃES & CIA. - FÁBRICA MICHAELENSE
Data de 1892. Em 1893 se localizam registros das marcas Michaelense, La Cadena e Torero. Sediada em São Felix, tinha também endereço em Salvador (Calçada do Bonfim, 76), provavelmente simples depósito.

1893
  • F. FERREIRA & CIA - FÁBRICA SÃO FELISTA
Funcionava em 1893 no arraial de Muritiba, então pertencente a São Félix, ano em que registrou, entre outras, as marcas Amélia e Alarm! Em 1894 registrou a marca Fábrica São Felista.

  • THOMÉ PEREIRA DE ARAÚJO - FÁBRICA MODELO
Funcionava em 1893, quando registrou a marca Kalifa. Localizava-se à Rua Conselheiro Dantas, nºs 19 e 31, em Salvador.

  • FRANCISCO DE BARROS LORDELLO - FÁBRICA CENTRAL
Funcionava em 1893, na Vila do Curralinho (que fora distrito de Maragogipe) quando registrou a marca Estrella da Bahia.

  • MANOEL CORREIA MACHADO - FÁBRICA HAVANEZA
Funcionava em 1893, em Salvador na Rua das Sete Portas, freguesia de Brotas, ano em que registrou a marca Coola.
Em 1905 mantinha depósito à Rua do Taboão, 25, em Salvador, conforme registro da marca de Cigarrilhos Japoneses. A fábrica chamava-se Havaneza.
Deduz-se que em 1907 o titular era falecido, pois o nome de fantasia apresenta-se como Maravilha, registrado pela Viúva Correia Machado.
Em 1916 é registrada a marca Viúva Correia Machado. Desta feita, num segundo rótulo, a fábrica volta a constar com a denominação anterior, Havaneza.

  • DIAS BARRETO & CIA.
Funcionava em São Félix, em 1893. Não há outros registros.

1894
  • JOSÉ MAURÍCIO VIANNA - FÁBRICA CRUZEIRO DO SUL
Funcionava em São Félix, em 1894. Sem registros.

1897
  • ZACHARIAS DA NOVA MILHAZES
Funcionava em 1897 em Cachoeira, ano em que se encontraram os registros de suas marcas Cometa e Zacharias N. Milhazes. Não há outros dados a respeito. 

1898
  • ANTÔNIO CORREA - FÁBRICA LIBERDADE
Funcionava em 1898, quando registrou a marca Liberdade. Localizava-se à Rua Conselheiro Saraiva, nº 26, em Salvador.

1899
  • LUCAS FREY & CIA.
Apurou-se apenas, que esta empresa funcionou em São Félix, tendo sido sucedida, provavelmente em 1899, pela firma Joezler & Hoening – Fábrica Flor da Bahia.

  • JEZLER & HOENING - FÁBRICA FLOR DA BAHIA
Esta empresa surge em Cachoeira no ano de 1899, com o nome fantasia Fábrica Flor da Bahia, constando em alguns dos rótulos “Antiga fábrica Lucas Frey & Cia, de São Félix”.
Nasce da associação do anterior fabricante F.A.Jezler, que em 1893 registrara as marcas Colibri e Héspero e que veio a se associar a Roberto Gustavo Hoening. Tanto que, em 1911, a denominação social consta como sendo Hoening & Cia.
Em 1916, conforme documentado em fotos, Hoening & Cia é sucedida por Rodolpho Gaschlin, de nome empresarial R. Gaschlin (letra A com trema). Esta, ano seguinte, em novos registros de marcas, grafa seus rótulos como sendo R. Gaeschlin o que, suponho, deva ter sido para que a pronúncia em português se aproximasse da pronúncia original. A empresa então, se identificava como Casa Suissa (com dois esses).

1902
  • ANTONIO CAETANO DA SILVA - FÁBRICA VICTÓRIA
Funcionou em Maragogipe. Fundada provavelmente em 1902, primeiro ano em que se encontram os registros, entre outros, das suas marcas: Cartolla, Nhô-Nhô, Roquetes e Macedos.
A marca Victória – Fábrica de Charutos foi registrada em 1903.

1903
  • POOCK & CIA - FÁBRICA SECÇÃO BAHIANA
Instalou-se em Cachoeira, no ano de 1903, sendo filial da empresa Poock & Cia, sediada na cidade de Rio Grande (RS). A fábrica funcionou com o nome Secção Bahiana. Em 1906, entre muitas outras, localizam-se os registros das marcas Nºs 1032 e 1047.
Em 1912, ano em que são registradas inúmeras marcas, entre elas Marrocos e Superiores (Troianos), a empresa já se transformara em sociedade anônima, sob a denominação Companhia de Charutos Poock.

1919
  • PEDRO DE JESUS.
Funcionava na cidade de Santo Antônio de Jesus em 1919, ano em que se localizou o registro da marca da empresa.

  • ARAUJO & CIA - FÁBRICA AMAZONA
Não localizado ano de sua fundação. Sabe-se que em 1919, além de registrar o nome fantasia da empresa, também registra as marcas Amadores e Bohemios.
Nos requerimentos respectivos a empresa declarava-se “em liquidação”, - fato, no mínimo curioso - sendo sita à Praça Conde dos Arcos, s/n em Salvador, com fábrica de charutos em Cachoeira.
Ano seguinte, 1920, suas marcas foram averbadas para Companhia de Charutos da Bahia, empresa sobre a qual não se obtiveram outras informações.

1932
  • FALCÃO & CIA.
Nas pesquisas procedidas no Arquivo Público Municipal de Cachoeira, encontramos referência à citada firma, via anúncio no jornal A ORDEM, janeiro 1932: Fumem PARTICULARES, o charuto fabricado com os melhores fumos da Bahia. Falcão & Cia – Cachoeira.

Data desconhecida
  • P. RODRIGUES & CIA.
À exceção do selo de garantia, reproduzido neste livro, não foram encontrados quaisquer informações quanto à referida empresa, que funcionou em São Félix. Vale consignar que o único original existente de tal selo me foi cedido por Félix Menendez que o recebeu, a título de curiosidade, de uma empresa holandesa.
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A saga de um nome famoso

Definição do alvo

Quando Gerhard Dannemann iniciou sua saga, desembarcando no porto de Salvador e partindo em direção ao Recôncavo Baiano, não poderia imaginar que iria se converter em legendária figura dos charutos.

Veio como tantos outros alemães, mergulhar sua vida na atividade tabaqueira, negócio de relevante importância no Império do Brasil.

Não sei onde, nem quando aprendeu nosso idioma. Mas sei que, homem educado, conquistou em pouco tempo, influentes amizades no mundo político provincial. Amizades que lhe foram muito úteis, como veremos mais adiante. Não só isso. Dotado de personalidade marcante, se transformou em inconteste liderança empresarial no setor fumageiro.

Encantou-se pela Bahia. Mais ainda pelo casario colonial dos séculos 16 e 17 e suas igrejas, cenário-presépio e fervilhante centro de negócios, no ponto onde o Rio Paraguaçu, descendo em cachoeiras, deixava de ser navegável.

Era o porto de Cachoeira, última parada para saveiros e vapores que não podiam subir rio acima, mas que rio abaixo, invadindo as águas da Bahia de Todos os Santos, escoavam para a capital da Província da Bahia, as riquezas do Recôncavo e outras tantas que chegavam do Sertão, a bordo das marias-fumaças com seus apitos estridentes.

Gerhard Dannemann preferiu a margem direita do rio. Talvez pela razão da paisagem oposta ser mais rica em casarios e assim, se comprazer com o encantador cenário barroco, deslizando morros abaixo. Se isto não foi, deve ter sido pelos comboios da Estrada de Ferro Central da Bahia terem ali, o ponto final de seus trilhos. Ainda não havia ponte para a travessia do rio.

Não perde tempo. Mal completado um ano de sua chegada, cuida em se estabelecer na manufatura de charutos, juntando-a com a atividade exportadora de tabaco. Penso trouxera consigo tal intento, que a decisão não fora algo circunstancial.

Pequenos fabricos de charutos eram constância. Assume um destes negócios. 

Em fontes secundárias, tenho encontrado um nome para este ponto de partida, Schnarrennbruch, mas tanto no contexto global é de somenos importância. O fato é que, como fruto da medida, surge a empresa Dannemann & Cia (1873). E toca o barco, correndo roças de fumo e cuidando do fabrico. Passa a conhecer a região, palmo a palmo. Na verdade, São Félix fora escolhida para a matriz do negócio, por contar com menor concorrência de fabricantes de charutos.

Em 1880, seu amigo Ludwig Kruder é convidado para ingressar na sociedade.

Os negócios prosseguem e prosperam sendo a empresa agraciada por Dom Pedro II, com o título de Imperial Fábrica de Charutos Dannemann. Isto, acontecido em 1883, por si mesmo, revela o grau de influência política conquistada por Dannemann, em seus primeiros dez anos de Brasil.

Neste mesmo ano, começa a se realizar o sonho dos ribeirinhos e do empresariado cachoeirense. A construção da ponte metálica, ligando os 365 metros de água que separavam as duas margens, a qual é inaugurada, dois anos após. Finalmente o trem chegava Cachoeira e, para se atravessar o rio, os barcos foram-se.

Fico aqui, imaginando o pioneiro Dannemann, nos mornos crepúsculos da região, sentado à beira do caís, por trás de um mar de velas de saveiros, apreciando os guindastes a vapor, que aos poucos erguiam a superestrutura metálica da ponte, encomendada à Inglaterra. Cofiando a barba, fazendo planos, fumando um charuto e matutando quanto à próxima marca a ser produzida. A Dannemann, entre todas as fábricas baianas, foi campeã na quantidade de marcas de charutos.

E, como quem ama uma terra, nela deita raízes, no ano da proclamação da República, já casado com Aleluia Navarro Dannemann, Gerhard vira Geraldo. Naturaliza-se brasileiro. Creio deva ter ido a Paris, participar da Exposição Internacional, onde a empresa foi premiada com sua terceira medalha de ouro. Houvera antes, recebido duas outras, em Antuérpia e Berlim.

Havendo se transformado numa liderança empresarial, bem sucedido comercial e socialmente, para a política foi um passo. As terras que escolhera para viver e trabalhar, sitas à margem direita do rio, antiga freguesia e depois vila, são elevadas à condição de cidade com o nome São Félix do Paraguaçu. Topônimo mais tarde, simplificado para São Félix.

Por sua reputação e pelas amizades granjeadas, entre elas a do governador da Bahia, o médico Manoel Vitorino Pereira, Dannemann é nomeado intendente da nova cidade, em 1889. Revelou-se grande administrador. Tanto que nas eleições havidas em 1893, foi eleito o primeiro prefeito de São Félix. Excelente por sinal. Para completar a lista de sucessos, a empresa é novamente premiada. Desta vez, na cidade de Chicago.

Prestígio, recursos e poder formaram assim, o tripé da crescente projeção da Dannemann, nos dez anos que se seguiram. Em 1904 seus produtos, expostos em St. Louis (USA) recebem outro Grande Prêmio. Neste mesmo ano, Johann Adolf Jonas ingressa na sociedade.

Dannemann sabia o que fazia. Homem realizado e bem sucedido, via se aproximar o tempo de voltar à terra natal. Cuidava, portanto, de preparar alguém que pudesse, junto com Eduardo Dannemann Filho, ficar em São Félix cuidando dos negócios.

Foi o que aconteceu em 1908. Dado à expansão do comércio de fumo, charutos e outros negócios, Geraldo Dannemann e Ludwig Kruder se desligam da direção da empresa permanecendo sócios comanditários e retornam para a Europa, onde continuaram a serviço da firma. Naquele momento, ficava claro que o mercado externo era o principal alvo.

Efeitos das guerras

Sob a gestão de J. Adolf Jonas a empresa seguiu crescendo, sendo premiada nas exposições do Rio de Janeiro (1908) e Buenos Aires (1910). Em 1911 contava com fábricas em São Félix, Maragogipe, Muritiba e Nagé. Chegava a 2.200 o número de empregados (O PROPULSOR, São Félix, 1911). Em 1913 a empresa recebe outro grande prêmio, na exposição da cidade de Gand, na Bélgica.

Pela continuada participação em eventos internacionais, vê-se que, por detrás de tudo, estava Dannemann articulando o trabalho de difusão do nome da companhia. E assim foi até 1921, quando vem a falecer, ano em que Johann Adolf Jonas naturaliza-se brasileiro. Passa a chamar-se João Adolfo e, como seria natural, o mentor maior da organização.

A Primeira Guerra Mundial resultara em muitas e danosas conseqüências para o setor fumageiro baiano, enfraquecendo, dado à redução dos negócios, as empresas charuteiras e exportadoras.

Assim, para se fortalecerem, as fábricas Dannemann e Stender, resolvem unir esforços, resultando como sucessora a Cia de Charutos Dannemann (1922). João Adolfo Jonas que passara a presidi-la, tendo como diretor o suíço Ernesto Tobler, cuida logo de apresentar a nova empresa na Exposição do Centenário da Independência, no Rio de Janeiro, quando é premiada.

Dado à junção havida, nos anos a seguir a empresa retomou o patamar de seus negócios, mas Dannemann continuava fazendo falta como ponta de lança na Europa, na defesa e difusão dos interesses empresariais.

João Adolfo Jonas morre em 1937, é substituído por seu filho de mesmo nome, sem tempo para participar dos momentos difíceis que a empresa enfrentaria mais na frente.

Gato escaldado tem medo até de água fria. Em 1938, esboçando-se o cenário de outra guerra, a Dannemann que houvera enfrentado o drama do conflito anterior, com seus charutos desaparecendo do mercado europeu, para se proteger de novos prejuízos, firma diversos contratos de franquia na Europa, autorizando a produção da marca naquele continente.  Tais contratos, que aqui não foram registrados, estipulavam que os fumos para produção dos charutos fossem comprados da Dannemann brasileira. O esquema montado legalizava os charutos feitos no continente europeu, os quais passaram a ser vendidos como oriundos no Brasil.

A medida salvaguardava a presença da marca na Europa, porém não resolvia os problemas oriundos do mercado doméstico o qual, como vimos, não fora o alvo principal da companhia no seu nascedouro. Mas não esqueçamos que, mesmo assim, a Dannemann conquistara posição de relevo no cenário nacional.

As coisas continuam a se complicar para a Cia. de Charutos Dannemann manter em operação fábricas que não mais trabalhavam para exportação. Na minha interpretação dos fatos, induzo que a capacidade ociosa se tornara enorme, dado à transferência do direito para produção na Europa. Por isso e para garantir fluxo de caixa, via aumento das exportações de fumo, além de fechar a fábrica de Nagé, novos contratos de franquia são firmados em 1941. Ou seja, a empresa, conscientemente ou não, abdicava da manufatura local de charutos, esperando que as vendas de fumos para o exterior, compensassem o grave desequilíbrio no qual se envolvera.

Como as desgraças nunca andam sozinhas, sempre vêm acompanhadas, o Brasil declara em 1942, estado de beligerância contra as nações do Eixo. A onda antinazista que varreu o país, se abate sobre a Dannemann de forma implacável e injusta. Ninguém se lembrou do passado e dos bons serviços prestados pelo precursor Dannemann. Muito menos do relevo da empresa no cenário econômico regional.

Além das perseguições contra os alemães natos, seus confinamentos e demissões sem nada receberem, num inconseqüente gesto, a turba se abate sobre os prédios e instalações da Dannemann, depredando o escritório em Salvador, bem como as fábricas de São Felix, Muritiba e Maragogipe. Batia na própria cara. Acabava assim, com o ganha-pão de muita gente.

A empresa fica sob intervenção das autoridades nacionais, sendo nomeado o extinto IBF – Instituto Baiano do Fumo, para administrá-la. Houvesse dinheiro das burras oficiais para recuperar os estragos.

E como ficava a condução das rotinas da empresa, exercida pelos técnicos alemães demitidos?

O resultado foi o ingresso numa fase de franco declínio.

Não tendo IBF dado conta do recado, vem a ser substituído por novo interventor, o Banco do Brasil, representado por Paulino Jaguaribe de Oliveira o qual, se de charutos conhecesse alguma coisa, seria porque, talvez os fumasse. Mas isto não é o bastante. A espinha dorsal da companhia fora quebrada. O conhecimento e a experiência, acumulados ao longo de setenta anos, haviam sido jogados fora. Quem duvidar que intente assumir uma empresa charuteira, sem nunca ter ralado no chão de fábrica e sem haver, centenas de vezes, espalmado fumos e aprendido a distinguir suas nuances.

Em 1945 somam-se convergências negativas. Ao despreparo de comando se junta a queda de exportações de fumos para a Europa, sustentáculo financeiro da empresa. Para dar uma aparência mais brasileira, tomou-se uma providência cosmética. Mudou-se a razão social para CBCD - Cia. Brasileira de Charutos Dannemmann. Claro que para viabilizar financiamentos com vistas a soerguer o negócio.

Nada adiantou. As fábricas são fechadas em 1948. Só em São Félix foram 1.000 os demitidos. Nos três anos seguintes, a empresa prosseguiu apenas no segmento da exportação de fumos. Seus charutos desapareceram do mercado nacional. Os do exterior, lá continuavam sendo fabricados pelos franqueados.

Em 1951 são reabertas as fábricas de São Félix e Muritiba. Segundo apurei em relatório existente no Arquivo Público de São Félix, em agosto do referido ano a produção das duas fábricas alcançou 4 milhões de charutos, sendo o estoque final de quase 8 milhões de unidades.

Em 1953 a exportação de fumos, fonte de recursos para custeio das fábricas, deixa de ser feita pela CBCD. Os fumos para produção de charutos Dannemann no exterior, passam a ser abastecidos pela Dannemann Exportadora de Fumos Ltda, com capital holandês. Empresa criada justamente para tal finalidade. 

A fabricação local tendo que conviver apenas com o resultado das vendas no mercado doméstico, não resiste. Em decorrência, entra em processo de insolvência, vindo a falir em 1954, fechando as duas fábricas e o escritório na capital baiana.

A empresa fica acéfala, em bom português, a Deus dará. Em tal momento, o gestor da CBCD era Francisco Aragão.

Daí em frente, foram outros 15 anos de idas e vindas.

Os bens da empresa foram leiloados em 1961, tendo a Suerdieck arrematado prédios, máquinas e equipamentos.

Começam disputas pela propriedade da marca.  A Suerdieck se oculta por detrás de uma nova empresa denominada Dancoin – Dannemann Comércio e Indústria Ltda, em nome da qual Francisco Aragão arremata as 70 marcas de charutos e 28 de fumos que foram leiloadas. Em função disto, em 1962, as marcas Dannemann, voltam a serem ofertadas no Brasil, produzidas na fábrica da Suerdieck de Cachoeira, sob licença da Dancoin.

Em 1963 para assegurar a exclusividade da fabricação brasileira das marcas Dannemann, a Dancoin requer a baixa da CBCD na Junta Comercial da Bahia, como produtora de charutos. Também, sem levar em conta os antigos contratos de franquia, intenta exportar para a Alemanha. Deu-se mal. Esta operação foi embargada sob a alegação que os direitos de venda da Dancoin eram restritos ao mercado nacional. Perdendo a demanda na Europa, a Dancoin parte para registrar a marca Dannemann em outros mercados externos.

Em 1965, em virtude de ação jurídica interposta por um dos sócios da CBCD, o registro da empresa é revalidado voltando, portanto a existir. Apenas no papel. Sem sede, sem fábrica, sem empregados.

Passam-se dois anos e a demanda internacional pela distribuição da marca chega a um acordo. O mercado europeu ficou com o empresário George Koch e o restante com a Dancoin. Esta, além de aceitar a retirada do nome Dannemann de sua razão social, passando a intitular-se Dancoin – Comércio e Indústria Ltda, reconheceu o direito da CBCD voltar a produzir charutos para a Europa.

A volta por cima

Em função do acordo, a CBCD – Cia. Brasileira de Charutos Dannemann, amparada pelos franqueados europeus, torna a produzir charutos em São Félix em 1970, abrindo sete anos após, uma pequena unidade na cidade de Cruz das Almas. A Dannemann era então comandada por um grupo suíço-alemão, tendo de um lado a família suíça Burger e, do outro, a empresa Melitta alemã.

Passara o período das tormentas. Os brasileiros voltaram a encontrar charutos Dannemann, nas tabacarias nacionais.

Em 1981 Hans Joseph Maria Leusen, holandês de origem e cônsul honorário de seu país na Bahia, residente no Brasil desde 1962, por desfrutar da confiança dos controladores da Dannemann, assume a presidência da organização brasileira.

Em 1988, ao se completarem 115 anos de fundação, o controle da companhia passa às mãos do grupo suíço Burger Soehne. Era ponto de partida para nova etapa na vida empresarial.

Para comemorar a efeméride, assim como o centenário da emancipação de São Félix, a empresa compra as ruínas do prédio que fora o berço de sua história. Reconstrói o mesmo, mantendo a belíssima fachada primitiva e ali instala um ponto voltado para as artes e a cultura. O Centro Cultural Dannemann, inaugurado em 1989.

Em 1995, transfere o fabrico de charutos de Cruz das Almas para São Félix, integrando-o à nova infraestrutura que montara.

Agora, na margem do rio, onde Dannemann testemunhara a construção da ponte, o nome famoso prossegue sua saga.

O atual guardião da marca Dannemann e seu comandante no Brasil, Hans Leusen, profundo conhecedor da empresa aqui e além-mar, ao ser entrevistado, revelou-se firme em suas colocações quanto à indústria charuteira.

Eis, em síntese, suas opiniões sobre o momento presente. [] o fumo sempre terá chance de sobreviver [] os governos não têm o mesmo vigor contra as bebidas e as drogas, que adotam contra o fumo [] na Holanda as ações contra o fumo são de tal ordem que em muitos coffee-shops é permitido fumar maconha, mas cigarros e charutos, não [] os fumantes irão encontrar espaços onde poderão fumar [] álcool e tabaco sempre existirão [] as bitolas grandes dos charutos, serão substituídas no futuro, pelos small-cigars [] a Dannemann no Brasil se preocupa acima de tudo com sua imagem [] não sacrifica seu padrão de qualidade para reduzir custos [] não faz nenhum tipo de concessão comercial [] daí seus charutos serem mais caros []

As marias-fumaças, os saveiros e suas velas, o tempo levou. Mas a Dannemann, o Paraguaçu e sua ponte continuam.

Por certo Hans Leusen, ao evocar o passado, contemplando a paisagem barroca na outra margem do rio, vendo as mulheres trabalhando na fábrica rodeadas de obras de arte, nutre justificado orgulho em presidir a companhia.

Hoje, a exemplo do pioneiro, enquanto fuma seu charuto, senta-se ao cais em frente à fábrica, se enamora do rio, mira a ponte, acompanha o presente e sonha com o futuro.
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Lá se foram de roldão

Muritiba que fora arraial e depois distrito de São Félix, é elevada à categoria de vila em 1919 e de cidade em 1922. Seu lema, criado em 1955, o dístico latino ASCENDIT FUNMUS AROMATUM, - subiu o aroma do fumo - é clara alusão ao plantio do tabaco como fator preponderante da economia municipal, à época.

Suas lavouras de fumo eram reconhecidas pela excelente qualidade. Tanto que hoje, o município de Cabaceiras do Paraguaçu, desmembrado de Muritiba em 1989, é o mais importante dos centros produtores remanescentes da afamada variedade Mata Fina.

Muritibanas de nascimento, vida e morte, Ideal e Pimentel têm aqui suas histórias.

Primeiro ato

Como é natural, em Muritiba se instalaram grandes empresas exportadoras de tabaco com seus armazéns de compras, beneficiamento e enfardamento, assim como inúmeras fábricas de charutos. Entre todas a mais importante foi a Pimentel.

Em 1937, Cândido Pimentel Filho (1890-1975), então ligado ao mercado de fumo em folhas, resolve dividir sua atividade, fundando a empresa C. Pimentel & Cia. Fazia parte da sociedade Wilhelm R. Overbeck que vem a se desligar em 1941, sendo substituído por Adélia Simões Pimentel (CORREIO DE S. FELIX, 1942). Eram os tempos de efervescência dos charutos, dedicando-se à produção dos tipos de grande aceitação, consumidos pelos extratos intermediários da pirâmide social.

Cândido que também era político, havendo sido o vice-presidente da primeira Câmara de Vereadores da cidade, instalada em 1936, escolhe como cores emblemáticas o verde e o amarelo e, como slogan, Pimentel – um charuto para cada gosto.

Gisela Suerdieck, no discurso proferido quando do cinquentenário da Pimentel (1987), registrava [] logo lhe chegaram as primeiras dificuldades. No transcurso da 2ª Guerra, suspenso o comércio com o mercado alemão, grande cliente do fumo brasileiro, cresciam seus estoques. Faltava-lhe capital para oxigenar seu negócio. Em 1941, em São Paulo, conhece e abre as portas da empresa para aquele que lhe seria o fiel sócio [] o comerciante Desidério Tobias [] (Arquivos do Autor).

Desidério Tobias ingressa, portanto na sociedade para dar-lhe suporte financeiro. Passa a bancar as compras anuais de tabacos e, como compensação, assume a distribuição dos charutos em São Paulo, através da empresa Irmãos Tobias Ltda.

Morrendo Cândido, o filho Carlos Augusto Pimentel (1933-1980) assume a direção da empresa, mantendo a forma mais tradicional e antiga de se produzir charutos à mão.

Não usava moldes. Após os fumos da bucha (miolo) terem sido envoltos com o capote, para alcançar a uniformidade estrutural dos charutos, valia-se de papel encorpado enrolando-os um a um. Chamava-se a isso de cafornotes, os quais só eram retirados ao momento dos charutos receberem suas capas.

Com a morte prematura de Carlos Augusto Pimentel, Renato Julião dos Santos que trabalhava na fábrica desde 1942, ingressa na sociedade, passando a cuidar do dia a dia.

A ex-charuteira Anatália Conceição da Silva depõe: [] comecei a trabalhar aos 14 anos, em 1949, na Pimentel [] tinha muitas aprendizes na faixa dos 14 a 15 anos que eram escondidas quando chegava o pessoal da fiscalização do Ministério do Trabalho [] minha mestra chamava-se Neuzinha que cuidava só de ensinar [] tinha mais ou menos 50 meninas num total de 250 pessoas [] o enchimento era todo feito à mão [] anos depois usaram máquinas de pedal, onde só eram homens que trabalhavam [] o resto tudo eram mulheres [] os homens não queriam trabalhar [] homem não entrava no salão da charutaria [] o velho Cândido era muito querido [] pagava até contas das funcionárias [] seu filho Carlos também [] trabalhei a vida inteira na Pimentel [] foram 40 anos [] quando ela fechou em 1989, ainda fiquei por lá mais um ano, junto com o resto do pessoal da diretoria do sindicato dos empregados []

Segundo ato

Marinaldo Albergaria de Souza (1929-1971), nos idos dos anos 60, possuindo um alambique, juntou o álcool ao tabaco, dando início a um fabrico de charutos, aos quais batiza, mais adiante, por Ideal. A escolha deste nome não era inédita. Tal marca existira no passado, registrada em 1907, pela firma Costa Ferreira & Penna. Marinaldo desenvolveu o negócio até quando, em 1971, um infausto acidente automobilístico ceifa sua vida, aos 42 anos.

À sua mulher, Dalva Souza, para sobreviver, restava o caminho de tantas outras viúvas que sucederam maridos no ramo charuteiro. Cito duas, como exemplos. A Viúva Simas que sequenciara os negócios de Arthur Furtado Simas, Fábrica A Fragrância, São Félix e a Viúva Correia Machado que sucedera seu marido Manoel Correia Machado, Fábrica Havaneza, Salvador.

Como se vê, além do marcante emprego da mão-de-obra feminina no fabrico de charutos, constatamos também inúmeras vezes, ao longo da odisseia, a presença da mulher no comando das operações.

Por isso é que em 1971, vamos encontrar Dona Dalva, como era conhecida por todos, à frente da empresa Viúva Marinaldo A. Souza, instalada à Rua Albérico Fraga, 214, no centro de Muritiba. Charutos simples, de torcida miúda, feitos à mão por 30 operárias.

Naquela época, ainda sem grandes óbices ao comércio charuteiro, havia espaço – e consumidores – para charutos de preços mais acessíveis, à sombra do outrora enorme guarda-chuva que abrigava as marcas populares. Especialmente porque os charutos Ideal eram 100% naturais, não usando papel alcaçuz ou fumo homogeneizado para as sub-capas, prática que estava sendo consagrada pela Suerdieck, a maior produtora nacional. Tal diferencial combinado com custos fixos quase nulos permitia à Ideal, um cômodo nicho no mercado. 

Mas, como é compreensível, o relativo sucesso da empresa, acabou por atrair atenções de dois empresários de São Paulo, Sasa Marcus e Roberto Nardi que vislumbraram a oportunidade de desenvolvimento do negócio. Algo semelhante ao acontecido com o novo empresariado charuteiro baiano, no começo do corrente século.

É quando surge em 31 de julho de 1986 a empresa Manufactura de Charutos Ideal Ltda, tendo como sócios os citados empresários, sem experiência anterior no ramo, mas que pelos seus relacionamentos no mercado sulista, esperavam ampliar as vendas. Dona Dalva, não mais proprietária, lá continuou sua labuta, como gerente.

Terceiro ato

Gisela Suerdieck compra em 1986 a tradicional fábrica Suerdieck nas mãos da Melitta, negociação que tive o ensejo de acompanhar de perto.

Sabendo da tendência declinante do mercado interno, como forma de assegurar-se nossa maior participação, sugeri comprarem-se a Ideal e a Pimentel, ideia abraçada por Gisela Suerdieck a qual, em realidade, sonhava e agia para se converter na única produtora de charutos no Brasil. Tanto que, certa feita, me confidenciara sua intenção de vir, um dia, sentar na principal cadeira da Menendez & Amerino.

Fui incumbido dos contatos e gestões junto a Desidério Tobias, controlador da Pimentel e aos sócios proprietários da Ideal. As negociações correram quase em paralelo.

Assim é que em fevereiro de 1987, Gisela Suerdieck compra os ativos da fábrica Pimentel, seu fundo de comércio e marcas, bem como o direito à distribuição no mercado paulista. Valor da operação: 500 mil dólares. De tal quantia, 30% foram pagos a vista e o restante acordado para 12 prestações mensais. A Pimentel contava com 140 empregados, produzindo 60 distintas variedades e marcas, boa parte exportada para a Alemanha.

A superintendência da fábrica, a exemplo do que ocorria com a da Suerdieck, passou à minha responsabilidade e a direção técnica foi assumida por Fernando Fraga.

Afastei-me do grupo em maio de 1989 e Fernando Fraga em 1998, quando fundou a Chaba – Charutos da Bahia Ltda, em Alagoinhas.

A denominação social da empresa foi mudada para Pimentel Indústria de Charutos Ltda, adotaram-se os métodos de produção da Suerdieck, modernizaram-se as embalagens mantendo-se as cores verde e amarela, reduziu-se para 22 a quantidade de marcas para o mercado interno.

Para dinamizar os negócios, em setembro 1987, realizaram-se em Muritiba, grandes festividades pelo transcurso dos 50 anos da empresa. Lembro-me ainda de duas, das muitas faixas alusivas ao evento.

Um charuto emprega muita gente, dois charutos empregam muito mais.
A alegria do fabricante de charutos é ver seu produto pegar fogo.

Quanto à Ideal foi adquirida em janeiro de 1988, pelo contravalor de 62 mil dólares, pagáveis em quatro parcelas mensais, a partir de maio do referido ano. O imóvel onde se localizava a fábrica não entrou na negociação. As operações fabris lá foram mantidas, ao início, sob contrato de locação.

Os estoques de fumos e materiais de embalagem da Ideal orçavam em 851 mil cruzados e seus ativos fixos em 954 mil. Os empregados da Ideal foram indenizados e, aos poucos, admitidos na unidade da Pimentel.

Último ato

Por questões estratégicas, entre elas a tentativa de se manter uma aparente concorrência, as empresas Suerdieck, Pimentel e Ideal foram mantidas juridicamente separadas. As vendas da Ideal passaram a serem feitas por intermédio de representantes comerciais; as da Pimentel foram confiadas à rede de distribuição atacadista da Suerdieck.

A identidade visual das marcas das duas fábricas foi refeita. As formulações padronizadas e unificadas, com vistas a se alcançarem ganhos na escala de produção. Os charutos das linhas de combate vinham semiprontos da fábrica da Suerdieck em Maragogipe, onde eram produzidos à máquina, sendo distribuídos para receberem a capa e os acabamentos finais nas unidades da Pimentel e da Ideal.

Graças a tais aquisições, em 1988 – quando os negócios de charutos populares estavam declinando, ano após ano – a Suerdieck conseguiu, em relação a 1985, aumentar suas vendas físicas em 17,8 %.

Passado o tempo, vejo que a padronização da produção das marcas não fora, sob o aspecto comercial, uma boa ideia. O mercado logo reconheceu ser tudo farinha do mesmo saco, como se diz vulgarmente. Os produtos das fábricas adquiridas haviam perdido suas identidades.

Os fatos transcorreram rápidos. Com as vendas decrescentes, não mais valia a pena manterem-se duas unidades de fabrico. Em finais de 1989 foi desativada a produção da unidade de Muritiba. A produção das marcas da Ideal e da Pimentel foi transferida para Maragogipe. Até 1992, ano em que a unidade produtora desta última cidade também foi fechada, levando-se tudo para Cruz das Almas.

Do prédio da Pimentel em Muritiba restam ruínas, melhor dizendo, só a parede frontal.

Assim, dez anos antes da bancarrota do Grupo Suerdieck (1999), as fábricas Pimentel e Ideal se foram de roldão.

Em 2009 intentei colher testemunhos de Renato Julião dos Santos e Dalva Souza, que bem conheciam os passados das suas respectivas fábricas. Tarde demais. Ambos haviam falecido.

Caíra o pano. Acabara a odisseia charuteira muritibana.
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Ascensão e queda de um gigante

A poesia tem a propriedade de muito dizer, com poucas palavras. O poeta feirense ANTÔNIO ALVES DA SILVA produziu o cordel “Centenário da Chegada ao Brasil de August Suerdieck”, trabalho inserido nas comemorações da efeméride, em 1988.

Com leveza e simplicidade, o cordelista transcorreu inspirado, sobre a vida da empresa. Em homenagem à cultura popular nordestina, selecionei algumas estrofes, transcritas neste capítulo e noutras partes do livro.

Em paralelo, para não entediar os leitores com a mesma remissão sucessiva, registro que além de pesquisas em outras fontes, como principal manancial e elo condutor deste capítulo, devidamente autorizado, me vali da obra inédita Suerdieck, Epopeia do Gigante, de UBALDO MARQUES PORTO FILHO. A este estudioso e autor baiano cabem, portanto, os méritos maiores de parte das informações capturadas, que a seguir narrarei, embora minha leitura dos fatos possa haver levado, em alguns casos, a conclusões e considerações distintas.

Mais uma anotação, agora de cunho ortográfico. Assim como Bahia se escreve com a letra “h”, o nome da cidade-palco dos principais acontecimentos narrados, contrariando a regra de se grafarem com a letra “j” palavras de origem tupi, não se escreve Maragojipe e sim, Maragogipe. Respeitemos a tradição.

Vamos à odisseia.

Os dois irmãos

Foi em mil e oitocentos
E oitenta e oito; então
Que AUGUST SUERDIECK
Pisava em nosso torrão,
Com esperança na alma
E fervor no coração.

De uma firma na Alemanha
SUERDIECK era empregado.
Nesse ano, a Cruz das Almas
O mesmo fora enviado
Pra fiscalizar o fumo
Que ali era enfardado.

A firma na Alemanha à qual o cordelista se refere, que contratara August para fiscalizar o enfardamento de fumos, fora F. R. Ottens. Quatro anos após sua chegada, vencidas as naturais dificuldades, tendo se acomodado com armas e bagagens, bem como dominado o idioma e os segredos da atividade, o imigrante August Wilhelm Suerdieck, resolve trabalhar por conta própria.

Funda a firma Aug. Suerdieck, vindo em 1894 adquirir imóveis nos quais instala seu armazém. Sentindo-se só em terra estranha, decide por chamar seu único irmão Heinrich Ferdinand, quinze anos mais moço, para ajudá-lo.

Foi em mil e oitocentos
E noventa e nove; então
Que chegava na Bahia
FERDINAND, um seu irmão
Para ajudá-lo na empresa
De fumo e exportação.

Ano seguinte ainda solteiro aos 40 anos e tendo o irmão para cuidar da empresa, August parte em viagem de saudades e negócios a seu país, quando conhece Hermine Meyer, então com 23 anos. Volta casado. Do casamento não resultaram filhos.

Como a empresa prospera, para facilitar as compras de fumo, abre sucursais em diversos pontos do Recôncavo e se familiariza com os fabricos de charutos da região.

Por sugestão do irmão, resolve ingressar neste negócio, fundando em 1905 a firma individual A. Suerdieck. Entrega a Ferdinand o comando da nova empresa, instalando-a em prédio alugado, situado no cais da cidade de Maragogipe. August ficou tomando conta dos armazéns e da exportação, bem como se voltava para plantios próprios, procurando apurar a qualidade dos fumos para capas de charutos. Era o que gostava de fazer.

O ponto de partida foi uma unidade com 3 homens e 2 mulheres, produzindo 500 a 600 charutos por dia. A opção por Maragogipe foi óbvia. A cidade se transformara num centro charuteiro, havia mão-de-obra treinada e sua localização na quase foz do rio Paraguaçu, permitia fácil escoamento da produção, rumo à Capital.

Os primeiros charutos fabricados chamavam-se Simples, nºs 1, 2 e 3. Ano seguinte são registradas na Junta Comercial do Estado da Bahia, as primeiras marcas, Aurora, Nobreza, Cataflor, Caboclos, Vencedores, Fidalgo e Amor Perfeito.

Em 1907, conseguindo abrir espaço no florescente mercado charuteiro, a empresa se instala, em prédio próprio, na Praça da Matriz. Regra da época, além do pessoal que atuava diretamente no fabrico, contava com o trabalho feito em casas particulares, totalizando 40 operários e atingindo os 200 mil charutos anuais.

Em 1908, as atividades dos dois irmãos são reconhecidas na Exposição Nacional do Rio de Janeiro. Os charutos, sob o comando de Ferdinand, com Medalha de Ouro. Os esforços para melhoria da qualidade da cultura do fumo, sob a batuta de August, com Grande Prêmio.

Um homem de sorte

Penso que, em momento de comemoração familiar, pela euforia do bom sucesso e das perspectivas que se abriam, Hermine, mulher de August, deva ter dado a ideia para que seu irmão, Karl Ludwig Rudolf Gerhard Meyer, viesse trabalhar no Brasil. O fato é que o mesmo chega a Maragogipe em 1909, aos 22 anos de idade, vindo logo a ser nomeado procurador da empresa.

A organização segue crescendo, mudando-se no ano a seguir para prédio bem maior, na Ladeira da Praça, onde funcionara o cine-teatro da cidade. A fábrica, com cerca de 200 empregados, ultrapassara a casa do primeiro milhão de charutos anuais.

Em 1914, início da Primeira Guerra Mundial, fundem-se as firmas Aug. Suerdieck (fumos) e A. Suerdieck (charutos), surgindo Suerdieck & Cia, formada pela sociedade entre os dois irmãos. É nomeado o primeiro distribuidor, na capital do Brasil, Rio de Janeiro, o maior centro consumidor de charutos da época. Tratava-se da firma John Jurgens & Cia, alterada em 1926 para Jurgens & Goldschimidt.

Ano seguinte, com 700 empregados, é ultrapassada a barreira dos 4 milhões de charutos anuais, dos quais a quarta parte foi consumida no Rio. Em 1917 chega a vez de São Paulo ter seu distribuidor Suerdieck, sendo nomeada a empresa J. Straus & Cia.

Em decorrência da Primeira Guerra, advém significativa redução dos trabalhos, posto que os charutos feitos com capas claras importadas tiveram que deixar de ser fabricados por falta de matéria-prima. Findo o conflito, regularizadas as importações, o ritmo da produção volta a subir, chegando logo a 10 milhões de charutos anuais.

Em 1919 acontece a primeira greve reivindicatória dos empregados, em busca de melhorias salariais. Conquistaram um reajuste de 10%.

Sendo necessário mais espaço para a manufatura, ao lado de onde funcionava a fábrica no antigo cine-teatro, separado por uma via estreita, a Rua das Flores, é construído outro prédio. Os dois conjuntos foram interligados por uma passarela que o povo batizou por “ponte da Suerdieck”. No frontispício da mesma, ainda se lê, em alto relevo, o número 1920, referência ao ano da construção. A inauguração aconteceu em 10 de janeiro de 1921.

Daí até 1931, mercados são conquistados, mas vidas são perdidas.

O primeiro comandante da Suerdieck, Ferdinand em viagem de férias, vem a morrer na Suíça em 1923 na plenitude dos 47 anos, sem deixar descendentes. Para reconstituir a sociedade, August convida Gerhard Meyer quem, de fato, administrava a fábrica.

Em 1925 a produção atinge os 18 milhões de charutos anuais, são 1.100 empregados.

Em 1928, realizado, feliz e satisfeito da vida, August Suerdieck, completados 35 anos de Brasil, mantendo-se sócio da empresa, decide voltar para sua pátria. Não teve muito tempo para usufruir a aposentadoria. Morre em 1930, aos 70 anos. A viúva Hermine, que se tornou sócia da empresa, resolve permanecer na Alemanha. Um ano depois a morte também a surpreende aos 54 anos.

Ante tais fatídicos acontecimentos, Gerhard Meyer deparou-se com uma situação atípica.

Como único sócio remanescente, à frente de uma produção de 25 milhões de charutos anuais, mortos os fundadores da sociedade sem deixarem herdeiros, tinha em mãos um patrimônio valioso.

A par disto, Gerhard fincara raízes na Bahia. Pouco depois que chegara em 1909, se envolvera em dois relacionamentos. Do primeiro resultara um casal; do segundo, um filho. Mais na frente viera a se apaixonar por outra maragogipana, operária da fábrica, Tibúrcia Pereira Guedes. Deste casamento resultaram cinco filhos entre os anos 1918 e 1924: Geraldo, Susana (que veio logo a falecer), Nicolau, Wolfgang e Fernando.

Portanto, se a exemplo de outros tantos imigrantes, Gerhard pensasse um dia voltar para seu país, que esquecesse. Tinha atrás de si uma descendência para cuidar. Era hora de arregaçar as mangas, tocar o barco e assumir o leme da empresa.

Como primeiro passo, em finais de 1930, para garantir o uso da marca, incorporou o nome Suerdieck em sua assinatura empresarial, conforme facultava a legislação brasileira. Comercialmente passava a assinar Gerhard Meyer Suerdieck. Neste mesmo ano a energia elétrica chegava a Maragogipe. Gerhard teve parte importante nisto. Era o primeiro presidente da Companhia Maragogipana de Eletricidade.

Depois, quando da morte de sua irmã Hermine em 1931, Gerhard toma uma segunda decisão importante. Adota a cidadania brasileira. Dá sorte, pois sem poder prever, tal medida no futuro, quando da Segunda Guerra Mundial, irá servir de escudo, para si e para a empresa, contra as perseguições aos alemães.  A sociedade foi então recomposta, tendo como sócios controladores o casal Meyer e, minoritariamente, o antigo empregado Karl Friedrich Horn.

Em 1932, os precursores da epopeia da empresa são homenageados pelo poder público municipal de Maragogipe. A Ladeira da Praça e a Rua das Flores, têm suas denominações mudadas, respectivamente, para ruas August Suerdieck e Fernando Suerdieck. Interessante notar que, para o primeiro, se manteve a grafia original, August, enquanto que para o segundo, em vez de Ferdinand, se usou a forma aportuguesada Fernando. O porquê seria pelo fato do mais jovem dos filhos de Gerhard Meyer chamar-se Fernando?

Ano seguinte é construído mais um prédio, contíguo ao da Ladeira da Praça, com três andares e vastos salões.

Dois anos depois é aberta outra fábrica, desta feita em Cruz das Almas, gerenciada por Johann Schinke. Havia então, 2.000 empregados e produziam-se 40 milhões de charutos anuais. Corria o ano de 1935, quando se comemorou o 30º aniversário dos charutos Suerdieck. A tal altura a empresa dispunha de serviços de creche e consultório médico.

Pelo transcurso da efeméride foi impresso na Alemanha, um catálogo institucional ilustrado. No dito, encontrável no Arquivo Público Municipal de São Félix, a par de outras informações, são reproduzidas as 45 marcas fabricadas, quais sejam, respeitada a grafia de então: Perfeitos, Persianos, Cata-flor, Petiscos, Invencível, Baronezas, Suerdieck nº 1, Suerdieck nº 2, Caprichosos, Vencedores, Fidalgos, Record Grosso, Record Lançado, Record Fino, Esplanada, Cesários, Iracema, Valência, Caboclos, Odalisca, Índios, Viajantes, Florinha, Sadda, Princezas, Coreana, Holllandezes, Hamburguezes, Prima Dona, Três Estrellas, Flor de Cintra, Ouro de Cuba, Beira Mar, Banqueiros, Regalia Fina, Boas Festas, Brazil, Pequena Flor, Políticos, Médios, Finos, Flor, Extra, Havanezes e Garantidos.

Anota-se ainda, no breve retrospecto histórico constante da acima citada publicação, que em nenhum instante foi mencionado o nome de Ferdinand Suerdieck. Apenas o de August. Teria sido pelo motivo, segundo o autor PORTO FILHO, confessado pela mãe de August e Ferdinand ao morrer, de ser Ferdinand irmão de August, apenas pelo lado materno, ou seja, que não fora um Suerdieck de sangue?

Mas, deixemos as questões de família de lado e prossigamos.

Em 1936 o nome Gerhard Meyer Suerdieck que vinha sendo usado para fins comerciais há 5 anos, é reconhecido civilmente. Assim, o sobrenome Suerdieck foi estendido à sua mulher Tibúrcia e aos filhos do casamento. Nova filial é inaugurada, desta feita na cidade de Cachoeira, tendo como primeiro gerente Conrad Grave.

Os negócios prosperando, dois anos após, a sede da empresa é transferida de Maragogipe para Salvador.

Em 1939 o sócio Karl Horn, aproveitando-se da conjuntura política internacional, intenta um plano para se apropriar da sociedade. Denuncia Gerhard Meyer ao nazismo, como traidor, por haver renunciado à cidadania alemã. Mas, Gerhard era homem de sorte. Havia dois dias que partira da Alemanha, onde se encontrava em viagem de negócios.

Chegando ao Brasil, seu primeiro ato foi intimar Karl Horn a se retirar da sociedade, comprando suas quotas. Vingado, resolvia também a incômoda questão política local, devido à participação de um sócio alemão. A Suerdieck transformava-se numa empresa autenticamente brasileira. Mais uma vez a sorte conspirara a favor de Gerhard. Fosse nos dias de hoje, por certo ele acertaria na Mega-Sena.

O terceiro comandante

Em 1940 a produção atinge a casa dos 50 milhões de charutos e são comprados os prédios onde funcionara a fábrica Vieira de Mello. Em 1942, logo após a declaração de estado de guerra contra as nações do Eixo, Geraldo o filho mais velho de Gerhard, que fora educado e treinado para substituir o pai, é admitido na empresa na qualidade de sócio, passando gradativamente a assumir o comando da organização. Vai ao Rio de Janeiro e reformula a distribuição local. De olho nos lucros da comercialização, em sociedade com August Goldschimidt – sócio da anterior distribuidora – e do amigo Kurt Stumm, funda a Distribuidora de Charutos Suerdieck Ltda, para atender os mercados do Rio e Belo Horizonte.

Outrossim, por contar com técnicos alemães em cargos de chefia, a Suerdieck teve que administrar inúmeros conflitos internos. Pressionada por tal conjuntura adversa, resguardou-se na legislação promulgada, requerendo a demissão dos funcionários de nacionalidade alemã, permissão concedida e cumprida em junho de 1943. Todos foram substituídos por brasileiros natos. Por certo que a colônia alemã residente na Bahia, não passou a ver o velho Gerhard com bons olhos. Tratava-se, entretanto de uma questão de sobrevivência.

Em tal momento a Suerdieck se transformara na empresa charuteira líder no mercado nacional, seguida pela fábrica Costa Penna. A Dannemann, embora fosse a maior de todas, concentrava seus negócios no mercado externo.

Em 1946 os outros três irmãos de Geraldo Suerdieck, Nicolau, Wolfgang e Fernando são admitidos na sociedade, a qual no ano seguinte, com vistas a aumentar o aporte de capital imprescindível à expansão dos negócios, se transforma em sociedade anônima, sob a denominação Suerdieck S/A – Charutos e Cigarrilhos.

Interessante registrar que a última palavra da nova razão social, em diversas fontes aparece escrita no feminino. Talvez por cochilo dos revisores. Os dois termos - cigarrilhos e cigarrilhas - existem, havendo uma diferenciação técnica entre ambos, que passa despercebida, gerando confusão.

Cigarrilhas – vocábulo mais conhecido - são produtos com diâmetros em torno de 8,5 a 9,0 mm e pesos por milheiros não ultrapassando 2,5 kg. Exemplos de marcas Suerdieck que eram cigarrilhas: Arpoador, Nina e Palomitas.

Cigarrilhos, também ditos charutilhos, - termos pouco usados - são produtos de diâmetros na faixa de 10 a 13 mm e pesos por milheiros na faixa de 3,0 a 4,2 kg aproximadamente. Exemplos de marcas Suerdieck que eram cigarrilhos: Beira Mar Finos e Copacabana.

Não sei do motivo pelo qual haja sido preferida a palavra menos usual. Talvez se estivesse antevendo o futuro, hoje, quando pelas limitações de espaço e tempo para se fumarem charutos, a tendência dos consumidores venha descambando para aquilo que os norte-americanos denominam small-cigars. Em bom português, charutos pequenos, charutilhos, cigarrilhos.

Pois bem, constituída a sociedade anônima, o patriarca Gerhard assumiu a presidência, ficando na vice, Geraldo o filho primogênito.

Em 1949, dado à paralisação, um ano antes, da Dannemann de Maragogipe, é comprado o prédio da mesma, local onde a Suerdieck instalou sua fábrica de caixas.

Em 1950 Maragogipe contava com 20 mil habitantes, dos quais 3 mil trabalhavam na fábrica; Cruz das Almas tinha menos que 6 mil habitantes, dos quais 500 eram operários da Suerdieck e Cachoeira contava com 27 mil habitantes, dos quais 400 estavam empregados na fábrica local.

A empresa atinge os 100 milhões de charutos anuais, com 3.900 operários (80% mulheres), 90 marcas distintas, 18 mil metros quadrados de área edificada, escritório em Salvador, serviços de compra e enfardamento de fumos em Maragogipe, Cruz das Almas, São Félix, São Gonçalo dos Campos e Santo Antônio de Jesus e fábricas de charutos em Maragogipe, Cruz das Almas e Cachoeira.

Tanto sucesso teve um contraponto pesaroso. A morte do patriarca Gerhard. Seu filho e sucessor natural, Geraldo Meyer Suerdieck assume de direito, aquilo que vinha desempenhado de fato, o comando da empresa.

A vida não para

Ainda em 1950 são constituídas a Exportadora de Fumos Suerdieck S/A e a Sociedade Agro Comercial Fumageira Ltda. Esta última, a seu início, visando o cultivo e o aperfeiçoamento genético dos fumos escuros nativos. Reminiscência do que fizera o fundador August Suerdieck, nos primórdios da organização. Em 1952 a Agro como era conhecida, passa a se dedicar, com sucesso crescente, ao plantio de fumos claros para capas de charutos. No auge da sua produção agrícola, anos 80, atingiu a expressiva área plantada de 450 hectares.

Como veremos, a vida da Agro se atrelou à da Suerdieck e seu insucesso virá ser a gota d’água que transbordará o copo dos problemas empresariais. O comando da Agro ficou sob responsabilidade do mais jovem dos irmãos, Fernando Meyer Suerdieck, o qual 33 anos mais na frente, será desbancado de sua cadeira. Coisas da vida.

Mas, nem tudo eram flores.

A Suerdieck editava, desde 1949, boletins institucionais trimestrais. No nº 12, ano 1951, toma-se conhecimento que a empresa enfrentava problemas com transporte e nas áreas comercial e de abastecimento de energia.

Eis a essência de ditas preocupações. [] Não queremos nos referir ao péssimo sistema de transporte por vias férreas ou estradas de rodagem, que se observa em todos os Estados do norte, principalmente no interior, pois é fato que ninguém ignora. O que desejamos frisar é a deficiência do transporte marítimo entre os Estados do norte e do sul. Durante a última conflagração mundial, dezenas de navios brasileiros foram sacrificados e a lacuna deixada pelos mesmos, além de não ter sido devidamente preenchida, mais se acentua, porque, as unidades restantes, na sua maioria, encontram-se em péssimo estado [] Nossas fábricas, já por diversas vezes estiveram na iminência de cerrar as suas portas, por falta de uma ou outra matéria-prima [] se algumas vezes a embalagem e o acabamento dos nossos charutos não obedecem à apresentação normal, fazemos tais modificações absolutamente forçados [] ultimamente temos embalado alguns dos nossos charutos em caixas de papelão, exclusivamente por falta de transporte marítimo [] (pela dificuldade que havia em receber as a madeira para as caixas, proveniente de Santa Catarina) [] A contínua irregularidade no fornecimento de energia elétrica, tem causado prejuízos ao bom andamento de nossa produção []

No Relatório da Diretoria que acompanhou o Balanço Geral de 1951, lê-se [] no decurso do ano transato a produção foi parcialmente prejudicada por efeito da continuada alta do preço dos materiais, bem como pela elevação das despesas com transporte e impostos.

Nesta época, visando reduzir custos, a organização opta por mecanizar as linhas de produção de seus charutos de maior vendagem. Malgrado as adversidades, chega em 1954 no patamar de 150 milhões de charutos comercializados no mercado nacional. Tinha então, 3.400 empregados em suas três fábricas, mais 700 que trabalhavam nos armazéns de fumo. Ainda neste ano é formada outra distribuidora. Desta feita na cidade de Porto Alegre.

Ano seguinte é comemorado o cinquentenário da Suerdieck dando-se início à construção do edifício-sede, na Cidade Baixa, centro comercial de Salvador de então, que irá ser inaugurado em 1956. Com o fechamento das fábricas Costa Penna e Dannemann, beneficiou-se a Suerdieck, elevando sua produção para mais de 170 milhões de charutos. Aumento que agora, olhado à distância, se computarmos a importância das empresas que haviam fechado, vê-se ter sido muito pequeno.

O mercado nacional estava, na realidade, encolhendo. Tanto que em 1957 a direção da Suerdieck reconhece pela vez primeira, queda nas vendas, registrando [] os efeitos da violenta elevação do custo da mão-de-obra no segundo semestre de 1956, fizeram-se sentir no decorrer do primeiro semestre de 1957, quando a inevitável elevação do preço do produto manufaturado acarretou a diminuição das vendas []

O aumento de preços funcionava como cortina de fumaça. Ocultava a verdadeira causa, qual seja a mudança nos hábitos dos consumidores. Não deixava perceber que, tendo os principais concorrentes falido, algo de anormal acontecia. Quem estava mergulhado no processo até o pescoço, mesmo que se apercebesse do fenômeno, virava-lhe as costas agarrando-se de unhas e dentes ao negócio, na esperança de melhores dias. Isso costuma acontecer.

Em 1958 as dificuldades no transporte por cabotagem continuam [] mantemos no sul do País, em Itajaí, Estado de Santa Catarina, as nossas serrarias onde são fabricadas as caixinhas para acondicionamento de charutos, material indispensável à nossa indústria e que se encontra há meses, se avolumando naquele porto, a espera de transporte para Salvador, por absoluta falta de navios [] a situação de nossa indústria é [] vexatória [] séria ameaça de paralisação temporária de nossas atividades []

Para complicar o cenário, nos anos a seguir, a marcha da inflação irá contribuir para o empobrecimento gradativo das classes da pirâmide social que consumiam a quase totalidade do dos charutos produzidos pela Suerdieck.

Muda o curso da história

Também em 1958 chega ao Brasil, aos 22 anos de idade, Gisela Hedwig Franziska Huch, que viera assumir o cargo de secretária da Exportadora de Fumos Suerdieck S/A e que passou a ser o braço direito de Geraldo Suerdieck, em questões internacionais. Outra personagem que, como veremos, irá gravar seu nome na história da empresa.

Passa-se algum tempo. A Suerdieck volta-se para a produção de charutos cilíndricos (1960), tendência mundial de fabrico menos complexo, em substituição aos de formato de bojo (figurados) que reinaram por cinquenta anos e arremata em hasta pública, imóveis, equipamentos e máquinas que foram da Dannemann (1961).

Agora, dispensando questões mais íntimas e para entendimento de futuros acontecimentos, resumo detalhes da vida privada.

Geraldo Suerdieck desquita-se de sua primeira mulher Aída Ribeiro, vindo a casar com Gisela Huch na Bolívia. Da união nasceu o casal de gêmeos, Dino e Guisinha (1966), cujos nomes de batismo foram, respectivamente, Geraldo Andreas Meyer Suerdieck e Gisela Elizabeth Huch Suerdieck. O novo casamento durou menos que cinco anos. Com a separação, Gisela manteve o direito em continuar usando o sobrenome famoso e de permanecer na Europa, como procuradora dos interesses locais da Suerdieck.

Ainda em 1966 é fechada a fábrica de Cachoeira. Com o intuito de diversificar o negócio, via produção de cigarros, é formalizada uma associação com o grupo inglês Carreras Limited, que assume 50% do controle acionário da Suerdieck. Como é compreensível, o dinheiro resultante da venda das ações ficou em mãos dos acionistas, não ingressando nos cofres da companhia. Irá fazer falta mais na frente, como veremos. Para Geraldo Suerdieck, então o controlador da companhia, deve ter representado valioso reforço nas suas finanças pessoais, por certo combalidas por seu primeiro desquite.

Dois anos depois, o grupo inglês conclui não haver espaço no mercado cigarreiro nacional, dado ao crescimento avassalador da Souza Cruz. Desiste da associação e, deduzo que calcado em questões contratuais, requer o ressarcimento dos investimentos que realizara. A empresa – leia-se Geraldo Suerdieck - se vê em palpos de aranha. De onde tirar os recursos para tanto?  Como recompor o capital social? As vendas haviam diminuído 8% em relação a 1967. Resultados: endividamento e primeiro ano no qual a companhia apresenta prejuízos.

A partir de 1969 as coisas começam a se agravar. Nova queda das vendas em 14%, escassez de capital de giro, traduzida pela falta de matérias-primas, atrasos no pagamento de salários e fornecedores.

O jornal maragogipano ARQUIVO, abril de 1970, bradava [] Suerdieck desde o ano passado vem enfrentando sérias dificuldades [] atraso no pagamento salarial [] não satisfaz o recolhimento do Imposto de Circulação à Fazenda [] Desde o princípio do mês a fábrica parou, mandando seus operários para casa a título de gozar férias vencidas [] Não há lembranças de ocorrência igual nestes setenta anos []

O JORNAL DA BAHIA, em 1971 denunciava [] Maragogipe é [] cidade com a vida econômica transtornada pela crise da [] Suerdieck [] o financiamento de seis milhões de cruzeiros, liberado [] ano passado, de que a companhia recebeu [] metade, não resolveu o problema de [] 800 operários [] eles estão agora há oito semanas sem receber o salário semanal, que é de 26 cruzeiros []

O quarto comando

Nos quatro anos que se seguiram Geraldo Suerdieck bateu em todas as portas, peregrinando em busca de recursos para re-equilibrar o negócio e manter o nível de empregos na região, preocupação que sempre o acompanhou vida a fora. Cacoete herdado dos tempos em que empregar muita gente era símbolo de prestígio empresarial.

A situação se deteriorava. A falência era iminente. Não podendo honrar compromissos bancários, para atender a um deles, em 1974, a empresa teve que entregar vários pavimentos do edifício-sede. O ativo fixo começava a escoar pelo ralo.

Empréstimos emergenciais ou financiamentos nunca iriam resolver o grave déficit estrutural. Seria necessário um parceiro em condições de injetar capital na empresa. Neste momento, emerge a figura de Gisela Suerdieck, procuradora na Europa, intermediando negociações com o Grupo Mellita-Werke Bentz & Son, ao qual a firma August Blase Zigarrenfabrik  GmbH pertencia.

Geraldo Suerdieck não tinha a menor condição de estabelecer condições posto que, a tal altura se tornara refém da empresa August Blase, credora de adiantamentos de recursos para a Suerdieck, por conta de futuras vendas.

Resumo do drama. O Grupo Mellita assumiu todos os avais e passivos empresariais, recebendo em contrapartida a cessão gratuita das ações da família Suerdieck que, então, saia do cenário sem compensações financeiras ou patrimoniais. Excetuaram-se a firma exportadora de fumos e a Agro Fumageira. Era fevereiro de 1975.

Agora, sob o quarto comando na linha histórica, Peter Hermann Wimmer representando os novos proprietários, assume a presidência da empresa. Geraldo Suerdieck permanece como diretor industrial, na condição de empregado.

As questões financeiras foram equacionadas. Mantiveram-se os problemas mercadológicos aos quais vieram se associar outros, de cunho organizacional.

Entre as tentativas para viabilizar e soerguer os negócios foram intentados vários caminhos.

  • Com vistas a minimizar os custos das linhas combate, foi suspensa a linha de fabricação de fumo homogeneizado, que era usado nas mesmas como capote, substituindo-o por papel alcaçuz.

  • Incrementou-se a operação conhecida como draw-back, ou seja, recebiam-se charutos semi-acabados, produzidos mecanicamente na Alemanha, para aqui serem capeados à mão e retornarem ao exterior. Lá eram embalados e comercializados, com a inscrição Hand-made in Brazil.

  • Priorizou-se a fabricação de marcas para terceiros, entre eles Zino Davidoff.

  • Tanto o sistema de distribuição tradicional, quanto a segmentação regional de charutos, foram abolidos, padronizando-se o abastecimento nacional em torno das mesmas marcas e instalando-se uma filial comercial em São Paulo.

Em 1981 a empresa August Blase é incorporada pela Dannemann Zigarrenfabrick GmbH a qual, por decorrência, assume o lugar daquela na Suerdieck, transformando-se na nova sócia majoritária. 

Ano seguinte Peter Wimmer é substituído na presidência da empresa, pelo tcheco naturalizado brasileiro, Eugênio Saller que, morando em São Paulo, passou a administrá-la à distância. Na fabricação era representado pelo plenipotenciário superintendente Rudolf Fraunhofer. Ambos, na verdade, nada entendiam do ramo fumageiro.

Em 1983, o cargo de diretor industrial é eliminado. Geraldo Suerdieck é afastado em definitivo da empresa, que fora a razão da sua vida durante 41 anos. Neste mesmo ano é inaugurado, com festividades, um escritório da companhia, na praia do Farol da Barra, em Salvador. Tentava-se tapar o sol com a peneira, encobrindo os reais problemas.

Entre as muitas medidas inapropriadas, tomadas por R. Fraunhofer, que corriam pelos bastidores da empresa, houve uma antológica. Pensando fazer bom negócio, determinou a compra em Santa Catarina, de 3.000 fardos de um tipo de tabaco, de preço bem inferior aos da Bahia e Alagoas. Só que o superintendente desconhecia que tal fumo era exclusivo para cigarros, não servindo para charutos. O material inservível mofou e apodreceu em um dos muitos salões, já então ociosos, da fábrica de Maragogipe.

Em consequência dos disparates e, como ninguém mantém negócio para não ganhar dinheiro, o Grupo Mellita, transcorridos onze anos de tentativas frustradas, decide se desfazer da Suerdieck.

Completando o quadro das desilusões, houvera sido suspenso um contrato de exportação, correspondente a um milhão mensal de cigarrilhas feitas à mão, que garantia a operação da fábrica de Cruz das Almas, levando ao fechamento desta.

Assim, em 1985, a Mellita saneia financeiramente a empresa, que vinha acumulando sucessivos prejuízos, e reduz a quantidade de empregados.

Neste ano a produção caíra para os seguintes patamares:

  • Charutos mercado brasileiro:             6,3 milhões de unidades.
  • Charutos exportação:                        7,4 milhões de unidades.
  • Cigarrilhas mercado nacional:            5,0 milhões de unidades.
  • Cigarrilhas exportação:                      14,0 milhões de unidades.
  • Fumos para cachimbos:                    11,2 mil quilos.
  • Fumos desfiados:                               7,4 mil quilos.

Os 6,3 milhões de charutos vendidos no mercado nacional estavam distribuídos em 66 marcas, 121 embalagens distintas. Apenas 6,0% correspondiam a charutos premium.

O derradeiro comando

Gisela Suerdieck retornara ao Brasil em 1978 quando, por indicação de seu ex-marido Geraldo, que lhe proporcionara meios, assume uma das diretorias da Agro Comercial Fumageira.  Graças a seu perfil dinâmico e arrojado, aumenta as exportações dos fumos plantados pela sociedade e, cinco anos após, com apoio de financiamento externo, se torna acionista majoritária, assumindo a presidência. Seu ex-cunhado, Fernando Suerdieck, que até então administrara a Agro, é afastado. Infeliz coincidência. Também em 1983, como vimos, Geraldo Suerdieck fora desligado da fábrica de charutos.

Dado seu amplo círculo de relacionamentos no Exterior e no Brasil, Gisela se mantinha informada dos sucessivos acontecimentos com a Suerdieck. Aguardava o momento certo para entrar no ramo dos charutos.

Simplifiquemos o desenrolar das negociações com o Grupo Melitta, com vistas à transferência de propriedade da empresa.

Como se sabe a Suerdieck era uma sociedade anônima e como tal, a simples compra das ações da acionista majoritária traria consigo um leque de acionistas outros, minoritários, que haviam confiado no futuro da empresa, em seus tempos áureos. Isto não interessava a Gisela Suerdieck, que desejava ser a proprietária exclusiva.

Para contornar a questão legal, assim transcorreram os fatos.

  1. A Mellita constituiu outra empresa, apenas no papel, também com sede em Maragogipe, denominada Empresa Bahiana Manufatura de Fumos Ltda.
  2. A seguir, alterou a denominação da Suerdieck S/A – Charutos e Cigarrilhos para Petima Industrial e Comercial S/A.
  3. Mellita e Petima, na qualidade de vendedoras, celebram Instrumento Particular de Venda e Compra de Bens e Ativos com Transferência e Sucessão de Estabelecimento Comercial, com a empresa citada no tópico 1, na qualidade de compradora.
  4. Gisela Suerdieck, com seu filho Geraldo Andréas compram as quotas da Empresa Bahiana Manufatura de Fumos Ltda, mudando a denominação de tal firma para Suerdieck Charutos e Cigarrilhas Ltda (1986). A sede social da empresa fica sendo em Maragogipe.

Em decorrência, noticiava a Revista EXAME [] Gisela Suerdieck assumiu a empresa depois de desembolsar uma quantia mantida em sigilo por cláusula contratual []

Tendo eu acompanhado a operação e dela participado como executivo representante da compradora, conheço o valor e as condições de pagamento. Não as revelo em respeito ao sigilo contratual. Posso, todavia registrar que Gisela Suerdieck fizera um bom negócio. A empresa estava saneada e seus ativos valiam mais que o valor contratado.

Permaneci na organização até inícios de 1989. Em tal espaço de tempo Gisela Suerdieck também se torna proprietária das fábricas Pimentel e Ideal, sediadas em Muritiba. Participei diretamente de tais transações.

Em 1988, mais precisamente no mês de julho, o quadro funcional era de 490 empregados, assim distribuídos: Suerdieck Maragogipe: 252; Suerdieck Cruz das Almas: 126; Pimentel: 92 e Ideal: 20. Além destes havia também, 28 aprendizes nas Escolas de Treinamento de Charuteiras: 16 em Cruz das Almas e 12 em Muritiba. As vendas no Brasil correspondiam a 7,4 milhões de unidades.

Dona GISELA, é porém
A responsável direta
Com todos seus auxiliares
Trilhando em busca da meta
Que é sempre a perfeição
Com uma linha correta.

Há trinta anos que ela
Também chegou juvenil
Veio como secretária
Cheia de encantos mil,
Hoje comanda as empresas,
Suave, forte e gentil.

Baldados foram os esforços para soerguer a empresa.

Ao final de 1989, são suspensas as operações no pavilhão industrial de Muritiba.

Em 1992, Maragogipe deixa de ser o principal centro charuteiro. São abandonados os prédios que foram o palco mais notável de toda a história. A produção passa a ser concentrada em Cruz das Almas.

Dois anos depois, tendo completamente arrefecido o grande mercado da Suerdieck, isto é, os charutos intermediários e populares, num supremo esforço para marcar presença no mercado premium, é lançada a marca Don Pepe. Sem resultados. A empresa Menendez & Amerino e os charutos importados, haviam ocupado todos os espaços.

Em 1995 soma-se aos problemas, uma completa frustração do plantio da Agro Fumageira. Segundo PORTO FILHO, citado ao início deste capítulo, a causa foi atribuída a um violente ataque do fungo cercóspora, dizimando a plantação. Há controvérsias, nunca esclarecidas, pois as plantações de fumo sempre conviveram com a cercóspora. Alguns dos meus entrevistados, gente dos bastidores técnicos, entendem que a origem do problema estaria no fato que, visando reduzir custos do plantio, a empresa cometera o suicídio de mandar baratear as formulações dos adubos e defensivos.

Independente de qual tenha sido a causa, decorre total descapitalização do grupo comandado por Gisela Suerdieck, a qual em 1997, ante a conjuntura pré-concordatária e com sinais precoces da doença de Alzheimer, é levada para a Alemanha, onde permanece até hoje. Seus filhos Gisela Elizabeth e Geraldo Andréas assumem o comando da empresa.

Em 1998, informação constante do trabalho “Bahia – Exportações de Charutos” do Departamento de Promoção Comercial do Ministério de Relações Exteriores registrava que a Suerdieck se encontrava em processo de concordata, acumulando dívidas em torno de U$ 20 milhões.

Na véspera do Natal de 1999, contando com apenas com 100 empregados, acontece o fechamento definitivo da Suerdieck. A Agro Comercial Fumageira criada para disponibilizar no Brasil outros tipos de capas de charutos e que, por muito tempo financiara as operações das fábricas de charutos do grupo, terminou por ser a gota d’água da queda da organização. A praga que devastara a safra de 1995, associada às dificuldades posteriores de obtenção de financiamentos para plantio, o descompasso entre a receita em dólares e os custos em reais, provocaram irrecuperável desequilíbrio financeiro que desembocou no fechamento da empresa.

Golpe final

A bem do claro entendimento deve ser anotado que os fabricantes, nas poucas vezes que davam e dão a público, informações sobre a quantidade de unidades produzidas, costumam englobar num só número, os charutos e as cigarrilhas, também unificando produtos destinados aos mercados doméstico e externo.

Os dados relativos aos anos de 1988 e 1985 atinentes às vendas da Suerdieck são raridade. Disponho dos mesmos em decorrência da minha atividade profissional na companhia. Igual preciosidade é a estatística das vendas do 2º semestre de 1954.

Analisemos tais números, na medida permitida pelos detalhes fidedignos existentes.

Falemos de 1954.

No 2º semestre deste ano, as vendas da Suerdieck no mercado doméstico alcançaram 74.683.463 unidades (charutos e cigarrilhas). Isto permite inferir, com reduzida margem de erro, que o mercado doméstico em 1954, consumiu algo aproximado a 150 milhões de unidades Suerdieck. Rio de Janeiro e São Paulo juntos consumiam dois terços deste total, ou seja, 100 milhões de unidades. Quanto à cor das capas, 40,7% eram escuras e 59,3% claras.

Falemos de 1985.

Em 1985, último ano da gestão do grupo Mellita, as vendas da Suerdieck, no mercado nacional, totalizaram 6.264.614 unidades, distribuídas em 121 opções.

Consideremos agora, os dados referentes a 1988.

O leque das 93 opções que a Suerdieck ofertava ao mercado nacional em 1988 permite as seguintes leituras:

  • 58 eram formuladas com 100% tabaco. As demais, justamente as de maior vendagem, utilizavam papel alcaçuz como capote.
  • 68 eram formuladas com capas claras e 25 com capas escuras. A participação dos itens de capas escuras caíra para 26,9% das vendas do mercado doméstico.

Sintetizemos, a seguir, as vendas pelos respectivos grupos:

Cigarrilhas:                                    1.506.370 unidades em 9 opções.
Charutilhos:                                     640.560 unidades em 10 opções.
Charutos Linha Nobre (Premium):     106.710 unidades em 24 opções.
Charutos Linha Intermediária:          628.170 unidades em 27 em opções.
Charutos Linha Popular:                 4.497.585 unidades em 23 opções.

Foram, pois 7.379.395 unidades, consumidas pelo mercado nacional. Excluindo-se as cigarrilhas, o montante de charutos alcançou 5.870.025 de peças.

Comparemos os anos 1985 e 1988.

Nota-se que, no decurso deste triênio, as vendas da companhia, reagiram positivamente em 17,8%, graças a seus esforços de marketing e por haver açambarcado os mercados da Pimentel e da Ideal.

Deve-se, entretanto observar a expressiva queda nas vendas domésticas de charutos da linha nobre. Em 1985 foram 377.621 charutos, 6,0% do total. Em 1988 a cifra equivalente despencou para 106.710 unidades, 1,8% do total, o que atesta a dificuldade que a Suerdieck enfrentou em suas tentativas de se posicionar neste segmento.

Simples comprovação de que a companhia sempre fora voltada para produção de charutos intermediários e populares, os quais não alcançavam o mercado do topo da pirâmide, não encontrando espaço nas lojas especializadas de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Comparemos agora 1954 e 1988.

A conta é fácil. Dos 150 milhões de unidades comercializadas no mercado interno em 1954, as vendas despencaram para 7,4 milhões em 1988. Em 35 anos uma queda de 95%.

Aliás, e para encerrar, havendo sido a marca Suerdieck registrada por determinado empresário, no início do presente século, o mesmo tentou relançá-la. Não obteve a menor receptividade mercadológica. Desistiu do intento.

Golpe final na marca que, no Brasil, fora símbolo de sucesso e sinônimo de charuto.
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A primeira Premium

Escrever este capítulo foi mais fácil. Além de eu conhecer a história da Menendez & Amerino, ainda vivem seus fundadores, sócios e ex-sócios, dirigentes e ex-dirigentes. Isto permitiu resgatar um quadro mais completo e pormenorizado, sem ter que muito recorrer a pesquisas externas.

Bom teria sido se, no passado, para preservação da memória charuteira nacional, algo semelhante houvesse sido feito, a respeito dos demais fabricantes.

Dando tratos à bola, com meus alfarrábios e a ajuda da testemunha ocular Félix Menendez, charuteiro de invejáveis conhecimentos, tentarei recapitular a odisseia da primeira fábrica premium do Brasil.

Como ponto de partida, esclareço que a palavra premium, que comparece neste capítulo e em outras partes deste livro, trata-se de termo internacional que conceitua charutos da linha nobre. Produtos consumidos pelo topo da pirâmide social.

Erro de perspectiva

Conheço o baiano, safra-1930, Mário Amerino da Silva Portugal desde 1965, quando vim morar na Boa Terra. Emérito contador de casos, memória privilegiada, imbatível usuário do telefone, refinado gourmet, bom de copo e papo, amante das artes, incansável defensor dos fumos baianos, escrevemos a quatro mãos, agradabilíssimos momentos. É verdade, que também tivemos nossos arranca-rabos. A tudo isto se somou vivências profissionais conjuntas, nos ramos das indústrias de tintas, da cerâmica refratária, do açúcar e do tabaco. Em 1976, os charutos passaram a se misturar com nossas vidas.

Mário Portugal sucedeu seu pai, Amerino Simões Portugal (1898-1948), na atividade da compra, beneficiamento e enfardamento de fumos da Bahia e de Alagoas. A par de outros negócios, desde a morte de seu genitor, sempre se manteve à frente da exportadora Amerino Portugal S/A – Comércio e Indústria.

Os Menendez, filhos do patriarca Alonso Menendez (1895-1965) que se consagrara com as famosas marcas Montecristo e H. Upmann, haviam saído de Cuba em 1960, por força da revolução, exilando-se em Espanha onde fundaram a Companhia Insular Tabacalera, nas Ilhas Canárias.

Assim como os pioneiros da Suerdieck e da Dannemann, Mário Portugal nutria o sonho de produzir charutos. De tal ideal, vindo a conhecer Benjamin Francisco Menendez y Toraño, nasce a fusão de interesses, que resultou na empresa Menendez Amerino & Cia. Ltda.  Foram sócios fundadores, além dos citados Benjamin e Mário, Luiz Alberto Brandão Gomes e eu, bem como a firma Amerino Portugal S/A (1977).

A partir deste momento, para elaborar o projeto econômico-financeiro de implantação da fábrica, passei meses a fio, ouvindo de Benjamin Menendez, as particularidades e segredos do negócio. Foi quando e com quem, comecei a conhecer charutos.

Em 1978 se inicia o treinamento da mão-de-obra, sob supervisão do mestre charuteiro cubano Evélio Oviedo e chegam ao Brasil, para se integrarem ao empreendimento, Alonso Menendez e Arturo Eliseo Toraño, respectivamente, irmão mais velho e tio de Benjamin Menendez.

Em 1979 aporta na Bahia, Félix Ramon Menendez y Toraño, outro dos irmãos, que virá se converter no capitão e elo condutor da empresa até os dias correntes.

Neste mesmo ano, a revista VEJA vaticinava [] com 85 empregados [] Menendez Amerino [] voltada para a exportação, com pouquíssimos clientes no mercado nacional [] tem uma ambiciosa meta [] mercado mundial de charutos [] mais do que uma opção, essa estratégia talvez seja [] única saída para a indústria nacional de charutos []

O JORNAL DO BRASIL registrava [] São Gonçalo dos Campos nunca produziu charutos, aspecto considerado positivo [] ensinada a técnica a pessoas que nunca tinham feito charutos, as baianas aprenderam rápido [] várias delas já conseguem fazer 1 mil e duzentos charutos por semana [] 26 não são operárias da fábrica, mas aprendizes do Centro de Treinamento Profissional mantido pelo 35º B.I. []

Agora, uma digressão importante.

Devo elucidar o significado de três termos que podem ser desconhecidos por leitores não afeitos ao mundo dos charutos: long-fillers, short-fillers e bunches.

Um charuto é composto por uma mistura de fumos na parte interior, o miolo ou bucha, revestida por uma primeira folha de fumo, o capote e, depois, por outra, a capa. Quando o miolo é feito com folhas de fumo inteiras, os charutos são chamados long-fillers. Se produzido com fumos picados, chamam-se short-fillers. Quanto à palavra bunches, significa os charutos semi-acabados, ou seja, aqueles que ainda não receberam a capa.

Continuemos, portanto.

Ao ser implantada, a Menendez importou diversas máquinas. Seguia a tendência das fábricas do exterior, onde a mão-de-obra, cada vez mais cara, fora substituída por equipamentos projetados para produzir charutos long-fillers, completos ou semi-acabados.

Sabe-se que para charutos short-fillers isto era prática que, há muito, aqui se utilizava. A própria Suerdieck a adotara em meados do século passado. 

[] muitos anos atrás a maior parte dos charutos era feita à mão; hoje, todo processo tornou-se altamente automatizado [] pressões externas como a crise do petróleo, explosões salariais, taxas de câmbio desfavoráveis, aumento das taxas governamentais, [] como resultado a atenção foi voltada para a área interna, investimento maciço em mecanização, automatização, racionalização e simplificação [] (STONE, 1983).

Além do mais, a Menendez ao ser concebida, embora não descartasse o mercado interno, tinha como objetivo principal, altos volumes para exportações adequando, assim, sua planta fabril a este propósito.

Como os Menendez nos anos 60/70, haviam logrado êxito nas Ilhas Canárias, aproveitando o espaço do mercado norteamericano, originado pelo embargo imposto aos charutos cubanos – sua empresa exportava mais de 80% da produção para os Estados Unidos (marca Montecruz) - imaginou-se que, montando uma unidade no Brasil, semelhantes resultados seriam alcançados.

Houve, porém, um detalhe, um erro ótico, em termos temporais e mercadológicos. Esqueceu-se que haviam transcorrido quase 20 anos e que a tal altura, o mercado norteamericano estava suprido por inúmeros fabricantes, sediados fora de Cuba. Boa parte, pelas próprias empresas americanas que controlam a distribuição e tinham montado bases para produzir charutos, em outros países. De início em Jamaica e República Dominicana e, a seguir, em Honduras e Nicarágua.

Isso explica a razão pela qual, apesar dos esforços empreendidos, a Menendez não se deu bem com uma nova e desconhecida marca, naquele que foi o mercado-alvo da sua instalação. Sem contar que ali a distribuição é fortemente controlada por empresas do ramo charuteiro, as quais não tinham, como continuam não tendo, interesse em distribuir produtos de outros fabricantes. A exceção ficou por conta dos anos 1996/98, quando a Menendez exportou 4 milhões de charutos para os Estados Unidos, mesmo assim, sob marca de propriedade de terceiros. Cessado o boom, acabaram as exportações.

Mudança do foco

Voltemos à maquinaria inicial. Foram importadas, entre outras, duas máquinas de produção de long-fillers, uma de short-fillers, mais duas para colocar os anéis dos charutos e revesti-los com celofane.

Aí começa a história do ovo e da galinha. Instalada a empresa, montadas as máquinas, necessitava-se dar partida ao processo. Como é lógico, antes de se tentarem exportações, havia que treinar mão-de-obra e, tão importante quanto, comercializar os charutos que eram fabricados. Começava-se, então pelo alvo número dois, o mercado nacional.

Não sendo possível preparar charuteiras sem a matéria-prima básica, o tabaco, recorreu-se à produção de charutos short-fillers para o treinamento. Os bunches eram maquinados e o capeamento manual, justamente para treinar aprendizes. A Menendez tinha uma única exigência para admitir as operárias, qual seja, que nunca houvessem trabalhado na manufatura de charutos. Motivo: a técnica construtiva do capeamento era distinta das demais fábricas brasileiras. Operárias com experiência diversa poderiam, a qualquer descuido, executarem o trabalho da forma aprendida antes. Isso não interessava à nova empresa.

Surgiram, então, os charutos El Pátio (long-fillers) e São Gonçalo (short-fillers). Os primeiros da chamada linha premium. Os segundos, de preços mais reduzidos, no intento de escoar os produtos acumulados em função do treinamento. Os El Pátio foram bem recebidos, pois representaram grande novidade para os consumidores brasileiros.

Quanto aos charutos São Gonçalo, sendo de cunho e preço mais populares, necessitavam de meios massivos de vendas, não se movimentando pelo canal que havia sobrado para a Menendez, as tabacarias.

Vale registrar que a empresa tentara nomear distribuidores atacadistas. Sem resultados. As portas estavam fechadas por compromissos assumidos com Suerdieck e Pimentel, que então dominavam o mercado. É fato que a opção de vendas diretas às tabacarias, funcionou como um atrativo, vez que, e isto era inédito, as mesmas passavam a comprar diretamente da fábrica e não através de intermediários.

Aproveitou-se a adversidade, usando-a como argumento comercial. Na fixação dos preços, montou-se uma equação para que fábrica e tabacarias dividissem o lucro da operação atacadista, figura eliminada da cadeia, por força das injunções. Ganhando mais, vendendo charutos da Menendez, as lojas deixavam de lado as marcas concorrentes. Mais na frente, em 2004, tendo desaparecido a Suerdieck e a empresa esperando aumentar sua participação do mercado, passou a nomear distribuidores atacadistas. Sem poder mexer nos preços finais, teve que sacrificar sua lucratividade em cerca de 15%.

Retomemos o fio da meada.

O sucesso dos charutos premium El Pátio, se deveu tanto à qualidade, quanto ao discurso adotado estrategicamente pela nova empresa.

Viviam-se tempos do mercado proibitivo às importações. Charutos estrangeiros eram raridades e, quase sempre, oriundos de contrabando. A empresa assume, como slogan, o que realmente praticava, Técnica cubana pelas mãos de brasileiros. Marca, aí uma linha divisória entre o antes e o depois, na história dos charutos baianos.

Atraia as atenções da imprensa, por ser o único novo fato do setor no século passado e martelava nas distintas características da sua manufatura.

Pormenor não abordado pelos outros fabricantes chamava a atenção, para o fato de serem long-fillers; enaltecia a feitura da cabeça (bico) dos charutos; garantia que não bichavam, por serem previamente congelados, processo então não usado pelas fábricas nacionais; demonstrava a rigorosa seleção cromática dos charutos de uma mesma caixa. Em resumo, oferecia ao mercado, estagnado há muitos anos e carente de novidades, um produto honesto amparado em um discurso sedutor.

Tanto que a GAZETA MERCANTIL, em 1980, registrava [] a Menendez [] trouxe uma técnica nova [] e hoje todos os fabricantes brasileiros a estão adotando []

Os primeiros anos não deixaram de ser difíceis. Neles a empresa chegou a acumular estoque de meio milhão de charutos. Como o mercado nacional, não os absorvia, representava custos, que se transformavam em prejuízos.

Mesmo assim, a pioneira premium não desanimou. Preocupada em lançar um produto diferenciado, não só na técnica da manufatura, como também na questão gustativa, passou a se dedicar ao plantio de uma variedade de fumo oriundo de sementes cubanas. 

Qualidade diferenciada

Neste entretempo, a empresa lançou as novas marcas premium, Amerino e Garcia D’ávila, enquanto aumentava a coleção de bitolas dos short-fillers São Gonçalo. As duas primeiras para dificultar a entrada no mercado, de similares nacionais concorrentes.

Havendo alcançado bons resultados nos plantios experimentais, virou manchete na imprensa. A televisão brasileira deu sua parcela de contribuição, a custo zero.

Em 1981 eram lançados os charutos Alonso Menendez.

Dizia a revista VEJA [] Não foi fácil essa façanha, orgulha-se Benjamin Menendez, 45 anos [] é fabricado a partir de sementes cubanas e é com esse trunfo que [] espera arremessar o Alonso Menendez rumo ao sucesso [] no Brasil o preço do charuto será alto: uma caixa com 25 unidades custará 10.000 cruzeiros, duas vezes mais que a mais cara da Suerdieck, sua principal concorrente []

Ecoava o JORNAL DA BAHIA [] Após 4 anos de insistentes pesquisas Menendez Amerino [] logrou encontrar [] condições [] sob orientação técnica de D. Arturo Toraño [] está sendo colhido um fumo idêntico ao original [] este sucesso permitiu [] um charuto de alta qualidade [] ao qual denominou Alonso Menendez, em homenagem ao patriarca da tradição fumageira da Família Menendez, o criador da famosa marca Montecristo.  

Prossigamos.

É preciso assinalar que também contribuiu para a expansão do número de marcas e bitolas, o fato que, nos anos 80, os preços dos charutos estavam submetidos à autorização do CIP – Conselho Interministerial de Preços. Naquele período, reflexo da importância pretérita, os charutos faziam parte da cesta de produtos que mais influíam no custo de vida. Em 1981, com o percentual de 0,2315% no grupo dos Serviços Pessoais e de 0,0319% no Global. Oxalá, tanto fosse verdade! Os fabricantes conseguiram, mais adiante, excluir os charutos da cesta, comprovando que os índices não mais representavam a realidade.

O Governo tentava controlar a inflação monitorando os aumentos de preço dos produtos que compunham a cesta. Ante tal quadro, restava às fábricas a alternativa de dar um tratamento cosmético a seus produtos, retirando-os de determinada marca, e abrigando-os em outra linha de produção. Nestes casos, por serem tidos como produtos “novos”, o CIP não podia interferir nos preços de lançamento. Os empresários devem saber lidar com as regras do jogo, usando-as a seu favor. Por sinal, fora eu o economista que levantara e defendera a questão.

É ainda verdade que a existência de várias marcas premium funcionava, para a Menendez, como outro fator positivo a seus propósitos, no campo da qualidade diferenciada. Resolvia o problema decorrente de charutos, bem construídos, mas que não apresentavam padrão cromático compatível com o da linha respectiva. Foi por isso, entre outros casos, que ao lançar a marca Marília & Dirceu em duas bitolas, pouco tempo após, ditos tamanhos integravam a marca Garcia D’ávila, de preço inferior. Eram simplesmente as descargas da linha Marília & Dirceu.

Fortalecendo suas marcas premium El Pátio, Amerino e Alonso Menendez, a empresa foi acrescentando novas bitolas às mesmas, com charutos short-fillers. Em paralelo, dado à melhoria da qualidade da mão-de-obra, foi extinguindo os itens da linha popular São Gonçalo, transferindo-os para as marcas de maior valor comercial. Por isso houve um momento no qual, por exemplo, a marca El Pátio abrigou além de 4 bitolas long-fillers, outras 4 de charutos short-fillers. 

Com a saída da marca de combate São Gonçalo e para melhor aproveitar a capacidade ociosa da máquina de produzir short-fillers, a empresa lançou a marca Nick Cameroun. Cigarrilhos em carteiras de papelão com 5 unidades. Não recorria, porém ao capeamento maquinado. Por uma razão simples. Não podia dispensar as charuteiras treinadas, a qualquer oscilação das vendas para menos. Os Nick Cameroun funcionavam como termômetro regulador da ocupação da mão-de-obra.

Como ficou visto várias foram as imposições que levaram ao quadro da rápida diversificação de marcas e expansão de bitolas. Isto, todavia, ia de encontro ao objetivo primordial da companhia: produzir em quantidades expressivas uma só marca, com número reduzido de diâmetros, o que justificaria o uso da maquinaria importada.

Produção 100% manual

A complexa equação na qual se viu envolvida levou a Menendez a abandonar o sistema de produção maquinada de bunches, passando a produzir os charutos, inteiramente à mão. As máquinas foram abandonadas em 1985. Permaneceram encostadas por onze anos, quando foram vendidas a uma empresa holandesa. Além das máquinas de produzir charutos, seguiram as de colocar anéis e celofane, vez que também não serviam à configuração da produção, à qual a empresa teve que se submeter, por força das circunstâncias (multiplicidade de marcas e bitolas, com reduzidos volumes de produção).

Para resolver a questão do envoltório de celofane, não utilizado nos charutos El Patio no primeiro momento, mas para atender exigência das tabacarias nacionais, passou a usar bolsas de celofane que, por não haver produção no país, eram importadas. Em 1995, a Menendez incentivou uma indústria mecânica paulista, a fabricar máquina apropriada para tanto. Da referida máquina, há apenas dois exemplares. O primeiro adquirido pela empresa e o outro pela Fábrica de Charutos Leite e Alves Ltda. Ambas têm servido, inclusive, para abastecer fábricas concorrentes.

Voltemos à narrativa.

Em 1981 a empresa passa a contar com Fernando Meyer Suerdieck, conhecedor do plantio de fumos especializados como ninguém. Apesar de não ser sócio, mas graças à sua larga experiência, é nomeado diretor-presidente. Permanece no exercício do cargo até 1989, ano da sua morte.

Em 1982 o JORNAL DO BRASIL registrava [] argumenta o Sr. Alonso Menendez, diretor de vendas, que enquanto o mercado interno se retrai, há uma expansão do mercado externo []

Eu, em relatório de trabalho, informava que [] as vendas no Brasil se encontram estacionárias, mas melhoraram um pouco em qualidade, pois enquanto em 1981 a proporção entre long-fillers e short-fillers foi de 64/36, neste ano está na casa de 70/30 [] a marca Alonso Menendez, ora representa 32% do total de todas as marcas []

Em 1983 a empresa voltou a ofertar charutos short-fillers, marca Copacabana. Não porque pretendesse maiores negócios no Brasil. Tal produto foi mantido no mercado doméstico, enquanto perdurou um contrato de exportação para os Estados Unidos. Suas vendas aqui, nada representavam em ônus à companhia, colaboravam para fortalecer a imagem do negócio, ocupavam espaços nas tabacarias e de quebra, atordoavam a concorrência. Outra marca, essa de charutos premium exportada para a Bélgica, Dom Pablo, também e por iguais motivos, foi oferecida por poucos anos ao público brasileiro.

Em 1984, com o nome Maxim’s de Paris em alta, tendo inaugurado sofisticado restaurante no Rio de Janeiro, a Menendez lançou, sob licença, esta marca de charutos. Permaneceu pelo tempo da moda da referida grife. Neste mesmo ano, o sócio Benjamin Menendez se afasta do dia a dia da empresa, indo trabalhar na companhia norte-americana General Cigar Company. A direção técnica foi, a partir daí, assumida por Félix Menendez.

Fernando Suerdieck, em relatório interno, deixou registrado, ainda em 1984, [] quanto às vendas internas, estas merecem uma avaliação constante com o objetivo de elevá-las, o que poderá ser facilitado pela carência de charutos bons no mercado, principalmente devido aos problemas enfrentados pelas fábricas concorrentes [] o grande sucesso da Suerdieck, nos bons tempos, era em parte devido às vendas internas, que representavam aproximadamente 95% do total []

Como o mercado não cresce na razão da quantidade de marcas oferecidas e aumentando a preferência pelos charutos Alonso Menendez, a empresa aos poucos, foi descontinuando a produção das marcas Amerino, El Pátio, Marília & Dirceu e Garcia D’Ávila.

Aliás, a questão da reduzida elasticidade do mercado charuteiro, por mim sempre entendida, foi causa de muitos arranca-rabos que mantive com Mário Portugal. A outra eram as promoções comerciais no sul do país, que Alonso Menendez e eu promovíamos ações que Mário depreciativamente, chamava oba-oba. Isto até setembro de 1985, quando cansado dos desentendimentos com o idealizador e mentor financeiro da empresa, resolvi me afastar. Depois fizemos as pazes. Botei minha viola no saco e fui cantar noutros lugares. No Mercado Modelo, em Salvador, vendendo charutos para turistas e, dois meses após, na Suerdieck, em Maragogipe.

Houve outra experiência, finais dos anos 80, inícios dos anos 90, quando a Menendez intentou, sem resultados favoráveis, a comercialização de charutos premium, produzidos somente com fumos Mata Fina.  A marca era Dona Flor.  A embalagem aparentava charutos populares. Retirou-a do mercado.

Em 1990 foi a vez de Alonso Menendez desligar-se da empresa, transferindo residência para os Estados Unidos. Cinco anos após, Benjamin Menendez, já residindo no exterior desde 1984, se afasta do quadro social e seu irmão, Félix Menendez, passa à condição de sócio. Mais um ano e a empresa Amerino Portugal S/A também se retira, entrando em seu lugar Maria Del Carmen Menendez Toraño, irmã de Félix. Em 1992, volto aos quadros da Menendez.

Em 1997 a companhia passa também a se focar na compra, beneficiamento e exportação de tabacos, instalando filial na cidade de Conceição da Feira. A rigor, a nova atividade se constituiu numa sucessão operacional da firma Amerino Portugal S/A. O fato, além de ter contribuído para aumento da receita via exportações, dispensou a compra junto a terceiros, da maior parte dos fumos necessários ao processo.

Reviravoltas e Caixa Preta

As coisas permanecerem em tal compasso até o ano 2000, quando o capital é duplicado com o ingresso de novo sócio. O aumento de capital foi subscrito pela empresa Cibahia – Tabacos Especiais Ltda, representada pelos irmãos José Henrique e Francisco Barreto, os quais assumiram direção comercial e o suporte financeiro da Menendez.

Na revista MARKETING, em 2000, José Henrique Barreto, conceituava as diretrizes da nova sócia [] uma de nossas características mais importantes é a pró-atividade [] e não [] ficar reagindo aos acontecimentos do mercado. Velocidade, criatividade, trabalho em equipe, [] a preocupação em atender às exigências do consumo são traços fortes em nossa administração []

Por iniciativa da nova direção comercial e financeira, a empresa dá uma reviravolta no posicionamento mercadológico. Os tempos ainda eram favoráveis ao setor fumageiro, no que se refere à permissão da propaganda. A empresa refaz totalmente o visual da marca Dona Flor, sua formulação e, com intenso trabalho de marketing, a relança com sucesso. Voltava-se ao que Mário Portugal criticava, chamando oba-oba, 15 anos antes. Os consumidores de charutos apreciam novidades e, com o passar do tempo, a fidelização a determinada marca, passou a ser raridade. Fácil entender. Há uma cada vez maior gama de produtos de variadas origens, sendo oferecida a um mercado muito restrito.

Em pouco tempo os charutos Dona Flor desbancam a liderança dos Alonso Menendez, firmando-se como a marca nacional premium de maior destaque.

Nomes femininos para charutos, que haviam sido praxe em finais do século 19 e inícios do século 20, voltam à cena. Por força da marca Dona Flor aparecem no mercado, inúmeras outras com nomes de mulheres. Todas como é natural, tentando se valer dos dividendos e disputar a hegemonia conquistada pela Menendez.

Em 2004, ante à significativa presença da fábrica LeCigar, com seus charutos 100% Mata Fina, de preços mais baixos decorrentes do benefício fiscal proporcionado pelo sistema SIMPLES, a Menendez a exemplo do que tentara antes, volta a produzir uma linha semelhante. Foram os charutos Aquarius que não conseguiram se firmar e, aos poucos, tiveram sua produção descontinuada.

A outra reviravolta na vida empresarial aconteceu em 1999, quando a Menendez diversifica o negócio, focando-se no segmento das cigarrilhas.

A Souza Cruz houvera abandonado o mercado, com o fechamento de sua unidade Inducondor, na cidade de Petrópolis. Ficara um vácuo a ser preenchido, pois a marca St. James, líder nacional de cigarrilhas, deixara de ser produzida.

Após gestões de Mário Portugal junto à companhia cigarreira, a Menendez adquire a maquinaria, por algo ao redor de meio milhão de reais, transferindo-a para São Gonçalo dos Campos. Em paralelo, obtém licença para produção da marca St. James, que volta a ser produzida em 2000, juntamente com o lançamento das cigarrilhas Gabriela. Neste mesmo ano, Joaquin Velasco Menendez, sobrinho de Félix, é contratado para gerenciar o novo setor de fabricação.

Em 2004 foram lançadas as cigarrilhas Dona Flor. Em 2007 a marca St. James é substituída pelas cigarrilhas Vip. Em 2009 a empresa introduz no mercado as cigarrilhas Macbeth, primeira versão nacional usando filtro de carvão ativado e, segundo fontes oficiais, se prepara para comercializar outros produtos neste segmento.

Falemos agora de quantidades, a caixa preta dos fabricantes em geral.

Nestes seus primeiros 30 anos de existência, a empresa comercializou no mercado doméstico 20 milhões de charutos. Para o exterior foram exportados 10 milhões, dos quais 4 milhões, por decorrência de exportações quando do boom norteamericano.

Quanto às cigarrilhas, nos oito anos em que se dedica à produção das mesmas, a Menendez comercializou no mercado nacional, 33 milhões de unidades.

Esta é, em rápidas, mas precisas pinceladas, a odisseia da Menendez & Amerino, de suas origens aos dias correntes.

Sua história continua sendo escrita. Quem viver verá.
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Diletantismo charuteiro

A Bahia tem de tudo. Até baiano com nome de alemão.

Enquanto Gerhard, Ferdinand, Johann e Adolf da odisseia charuteira, abrasileiram-se para Geraldo, Fernando, João e Adolfo, o ilustre personagem soteropolitano deste capítulo, foi batizado e sacramentado com o nome Arend Becker.

Bonachão, do tipo de cabelos, olhos e configuração facial que não traem sua ascendência, perfil dos irrigados a muitos chopes, camisa sempre fora da calça, sandálias, à primeira vista parece ser um daqueles gringos que costumam visitar nossas fábricas, para verr como fazerr charrutas. Ledo engano. Domina o idioma paterno, mas é um falante bem baiano.

Becker, nome pelo qual é conhecido no mundo do tabaco, senhor de sonora e inconfundível risada, sempre tem casos para contar sobre sua atividade, em seus mais de setenta anos de vida. Mas isso, agora não vem ao caso.

O fumo corre nas veias do notável germano-brasileiro. Seu avô trabalhava em Bremen, na Alemanha, em armazenagem de fumo. Seu pai, no fluxo migratório em direção à Bahia, que tantos alemães nos trouxe e que fazem parte da epopeia tabaqueira, cá chegou aos anos 20 do século passado. Naturalmente para trabalhar naquilo que, à época, era o grande negócio baiano, beneficiamento e exportação de fumos.

Becker, quando menino em Salvador, vivia pelas bandas do Rio Vermelho, Homem feito, outro não poderia ser seu destino, a não ser seguir a saga da família.

Em 1964 se torna um dos fundadores da firma Tabacos Matas da Bahia Ltda, em Cruz das Almas.

Declara Becker [] com o que havia de melhor de cada safra anual, produzíamos os chamados “charutos de enfardador” [] para provas e para obsequiar clientes, amigos, empresários [] eram disputadíssimos []

E, como quem mexe com fumo, por quase imposição e decorrência, fuma e acaba mexendo com charutos, lá está nosso Becker, em meados dos anos 80, dando os primeiros passos na manufatura, produzindo a marca Tobajara, a pedido de um cliente de fumos sediado na Alemanha. A coisa era um prazer pessoal. Exportava a produção e no nosso mercado, por certo, foram raríssimos os consumidores que se comprazeram com aquela regalia.

Becker sempre fez questão de preservar-se, não se consumindo com os misteres de um negócio que, quando muito cresce, complica-se.

De charuto em charuto, finais dos anos 90, o mercado norte-americano explode. O famigerado e enganador boom. A esta altura Becker se aposentara e descontinuara a exportação dos charutos Tobajara.

Foi quando, como outros empresários, Arend vislumbrou a possibilidade de bons negócios. Em sociedade com seu amigo Horst Schweers, funda em 1997 a Manufatura Tabaqueira LeCigar Ltda, em Cruz das Almas.

Becker ainda se recusava à plena vida de aposentado, vendo o mar de Guarajuba sete dias por semana. Tendo deixado para trás a casa da infância, morava pelas bandas do bairro da Pituba e, de lá, até aquela sossegada praia do litoral norte baiano fora um passo.

Monta a nova fábrica de charutos para, dois dias por semana, ter o que fazer, voltar às suas raízes.

Ocorre que o desenrolar dos fatos não foi favorável para os fabricantes brasileiros que visavam os Estados Unidos. Nem para a Menendez & Amerino a qual chegou a exportar, durante o boom, 4 milhões de charutos. Menos ainda para a LeCigar.

Por outro lado, quem visa o mercado externo tem que, necessariamente e antes, organizar uma linha de produção e escoar os frutos do seu trabalho. Onde? Mercado nacional. Isso levou a LeCigar, enquanto intentava abrir os herméticos canais de comercialização norte-americanos, a ingressar no mercado brasileiro.

Naquele momento, deu-se bem.

Em inícios de 1999, mudanças cambiais dobraram o valor do dólar tornando os charutos importados, caríssimos. Abria-se uma brecha para os charutos premium nacionais, segmento ao qual Becker se dedicara.

Afora isso, a LeCigar aderira ao sistema fiscal do SIMPLES, o que lhe dava condição de competitividade, podendo praticar preços mais atraentes que a concorrência. Chega a vender 400 mil charutos anuais no mercado doméstico.

Mais ainda. Teste de degustação feito por uma revista masculina, colocava o charuto LeCigar no topo do ranking dos melhores charutos brasileiros.

Mas, a vida de quem se propõe ao negócio de charutos é atribulada e cheia de imprevistos.

Pau que dá em Chico dá em Francisco.

Os fabricantes de produtos do tabaco sempre estiveram às voltas com interferências e ações oficiais restritivas à atividade. Para variar, em 2007 são suspensos os benefícios do SIMPLES.

Como ninguém de bom juízo está aí para trabalhar sem resultados, é evidente que tal medida teve reflexos diretos nos preços da LeCigar. Consequentemente, em suas vendas.

Becker - recorde-se a inspiração do negócio - não se afligiu.

Deixou o mar das atribulações da fábrica e voltou-se para o sossegado mar de Guarajuba.

Suas idas a Cruz das Almas tornaram-se mais escassas. Entregou a direção da empresa ao sobrinho, o arquiteto Ricardo Becker, atual presidente do Sinditabaco/BA – Sindicato da Indústria do Tabaco da Bahia, a quem agora compete tocar o barco da LeCigar.

A revista VEJA em 2002, registrava [] Quem melhor revela o espírito dos novos barões do tabaco é o empresário Arend Becker, dono da LeCigar e filho de um alemão que veio para o país trabalhar com a produção de fumo. Antes de ter a empresa atual, ele foi exportador e dono da marca Tobajara de charutos [] trabalha apenas um dia por semana e passa o resto do tempo numa casa de praia, quando não está na Europa, passeando. "Divirto-me mais do que trabalho" reconhece.

Diletantismo charuteiro.
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Correndo na frente

Do alto dos seus setenta anos, ele acumula mais de meio século nas lides com os fumos da Bahia, sendo um dos decanos no presente cenário charuteiro nacional, em plena atividade.

Em 1957 imergiu no mar das folhas verdes que secam e morrem para dar prazer. Nele navega até hoje. Em tal maratona, marinheiro de muitas viagens, andou todos os caminhos e enfrentou procelas, que o levaram a se converter no ora, maior fabricante brasileiro de charutos deste começo de século.

Falo de Fernando Alberto Fraga, baiano nascido em São Félix, o qual muito antes de ser charuteiro de profissão, por mais tempo que o necessário a uma aposentadoria, labutou com lavradores comprando fumos, palmilhou a região fumageira do Recôncavo Baiano e contribuiu, com seus conhecimentos, para a magia do beneficiar tabacos.

Em seus dez primeiros anos de trabalho (1957/66) especializou-se na compra, seleção e fermentação dos fumos Mata Norte. Nos vinte anos seguintes (1967/87), exerceu os mesmos misteres, voltados para os fumos Mata Fina e Arapiraca.

Em 1987 é convidado para trabalhar na empresa Agro Comercial Fumageira. Recordo-me bem disto, fui o intermediário do convite. Indo trabalhar na Agro, Fernando Fraga acrescenta a seu currículo, a experiência no manejo dos fumos capeiros Sumatra e assume a direção do setor de beneficiamento e seleção dos mesmos. Em paralelo, vem exercer a diretoria técnica das fábricas de charutos Suerdieck e Pimentel.

Passa onze anos em tais ocupações. Em 1998, mirando o sombrio horizonte do Grupo Suerdieck, entende ser chegada a hora de se afastar e partir para outra etapa profissional.

Como a companhia não dispunha de recursos para sua indenização, acorda desligar-se recebendo, em contrapartida, além de duas máquinas, a titularidade das marcas de charutos Pimentel, Puro Bahiano, Ouro de Cuba, Índios, Pimentillos, Don Pepe e das cigarrilhas Palomitas.

Fernando Fraga partia na vanguarda para ocupar os espaços nas linhas de produção de charutos intermediários e populares, brecha que, fatalmente, se abriria no mercado, face o iminente insucesso da Suerdieck.

Opta por se instalar na cidade de Alagoinhas, onde mantinha raízes outras. Ao contrário das cidades do Recôncavo, não tendo Alagoinhas nenhuma tradição no fabrico de charutos, leia-se mão-de-obra treinada, Fernando contrata e desloca para lá, 18 operárias que formaram o núcleo embrionário do operariado local.

Estamos em 1999.

Nasce a Chaba – Charutos da Bahia Ltda. O cabedal de Fernando Fraga, associado à produção de marcas tradicionais e conhecidas do mercado, facilitam os passos iniciais. Fatos que colocaram a empresa, em volume de produção, no podium do nosso cenário charuteiro.

Por força de circunstâncias diversas, umas de cunho mercadológico, outras decorrentes dos óbices à atividade, ajustes foram procedidos na linha de produção, ao longo dos últimos dez anos.

Os charutos Don Pepe, com os quais a extinta Suerdieck intentara em 1994, ampliar sua participação no mercado premium, estavam contaminados com a aura do insucesso. Foram substituídos pela marca Brasil Autênticos.

A empresa também lançou vários de seus produtos em versões aromatizadas, além das tradicionais, atendendo demandas específicas do mercado. Fortaleceu a marca Pimentel, abrigando na mesma, as bitolas dos antigos Ouro de Cuba, Puro Bahiano e Pimentillos.

A Chaba atualmente oferece ao mercado três marcas de charutos, Brasil Autênticos, Pimentel e Indios, além das cigarrilhas Palomitas, produtos que, no conjunto de bitolas e embalagens, totalizam 80 versões distintas aos consumidores.

Fernando Fraga pontua [] cada dia está mais difícil [] as autoridades insistem em colocar cigarros e charutos na mesma vala comum [] não nos concedem tratamento diferenciado [] as empresas cigarreiras são milionárias, ao contrário dos fabricantes de charutos []

Apesar dos problemas, a Chaba fazendo história, segue sua caminhada.

Correndo na frente.
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Renascendo das cinzas

Coincidências da vida.

Tendo sido parte da história dos charutos baianos, o prédio em ruínas, que, por tantos anos, abrigara a primeira fábrica Leite & Alves na cidade de Cachoeira, neste ano de 2009, depois de totalmente recuperado, mantendo a bela característica arquitetônica externa, vai servir à difusão do conhecimento. Transformou-se em extensão do campus da Universidade Federal do Recôncavo. Irá abrigar os cursos de Arquitetura, Urbanismo, História, Hotelaria e Antropologia.

Guardo a esperança que a primeira dissertação de mestrado do curso de História, em sinal de respeito ao passado do magnífico edifício, tenha por tema algo referente à industria charuteira baiana.

A firma Leite & Alves aparece no cenário, em selos de cigarros, como continuação da Imperial e Antiga Fábrica de Cigarros de S. Domingos de Niterói, RJ, em data imprecisa, durante o Segundo Império. Localizava-se no Largo de S. Domingos, 23. Daí o nome da empresa.

Costumeiramente tem sido registrado que a fábrica teria se transferido para Salvador em 1881, sob o nome Leite & Alves – Antiga Fábrica São Domingos.  A rigor isto ocorrera no ano anterior. Tanto que a licença de funcionamento da fábrica foi concedida em sessão da Câmara Municipal de Vereadores de Salvador, em sessão de 29/12/1880.

Afora isso, a unidade baiana foi de fato, uma filial da referida empresa. Tanto se comprova vez que nos rótulos dos seus cigarros marca Minas Geraes, registrada em 1911, declara-se a existência de fábricas em Niterói e na Bahia. Isto, aliás, consta explicitamente de requerimento feito à Junta Comercial do Estado da Bahia, em 21/09/1885, onde se lê: [] Leite & Alves, negociantes e proprietários da Imperial e Antiga Fábrica de S. Domingos, estabelecida no Rio de Janeiro e da qual é filial a que os suplicantes possuem nesta cidade, à Calçada do Bonfim, nº 95 [] (ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA, Registros e Firmas 1841/1885).

Em 1922, a empresa publicava no jornal A TARDE, de Salvador: [] tendo o Governo Federal criado no corrente ano, o proibitivo imposto de 30 réis, sobre os cupons que as fábricas de cigarros distribuíam a seus consumidores, com direito a um brinde, cujo selo deverá ser colado no próprio cupom, além de um imposto de patente de Rs 500$000 anuais [] resolvemos, como os demais fabricantes do país, suspender esse bônus [] forçados por aquele inesperado imposto []

Em 1936 transfere-se da capital baiana para Cachoeira. As empresas cigarreiras sulistas estavam causando danos aos incontáveis fabricos locais de cigarros que não se modernizavam.

Como tendência natural de estar no Recôncavo Baiano – santuário das manufaturas da região – além de continuar a produzir cigarros - focou-se no produto mais próximo dos mesmos, as cigarrilhas.

É quando, aproveitando a maquinaria, lança (1951) as cigarrilhas Talvis, que alcançaram enorme sucesso no mercado brasileiro.

Tenho uma interpretação para o fato.

Os consumidores, em decorrência da aura conferida aos cigarros pela mídia da época, estavam migrando dos charutos para a nova forma de consumir o tabaco e, de tal forma, sendo induzidos ao choque de trocar charutos por cigarros. As cigarrilhas compareciam, então, como patamar intermediário da transição. O sucesso foi de tal ordem que, assim como o nome Suerdieck lembrava charutos, Talvis passou a evocar cigarrilhas. O oportuno slogan publicitário, Talvez eu fume uma Talvis, ajudou bastante.

O inegável crescimento da participação e da liderança da Talvis, deve ter atraído a atenção da Souza Cruz para o mercado das cigarrilhas. Tanto que esta compra em 1967, a pequena fábrica de cigarrilhas Inducondor, em Petrópolis, entra no ramo e, usando seu inegável poder na área da distribuição, aos poucos vai minando a Leite & Alves. Não se perca de vista que a produção nacional de cigarros e sua consequente logística distributiva, cresciam ano após ano. Os 6 bilhões de cigarros anuais em 1920, 60 anos depois, tinham se transformado em 142 bilhões. 

Como a Leite & Alves, mesmo produzindo charutos, tinha o principal foco da empresa nas cigarrilhas, o resultado não poderia ter sido outro. Em 1976 entra em processo de insolvência. Seus bens e marcas vão à hasta pública. Lembro-me de tal momento, quando arrematamos para a Menendez & Amerino, que se encontrava em fase de montagem, uma possante guilhotina italiana a qual, até hoje, continua prestando serviços à fábrica.

Enquanto tais coisas aconteciam, Humberto Madeiro da Silva se dedicava em São Paulo, ao comércio atacadista de fumo em corda produzido em Arapiraca. Início dos anos 70. Crescendo o negócio, começou também a produzir fumos desfiados em Alagoas e, aproveitando sua estrutura na capital paulista, diversifica a comercialização, vindo a distribuir produtos das fábricas Suerdieck e Leite & Alves.

Quando do leilão desta última, em 1976, Madeiro arremata a marca Talvis e a marca-nome da empresa. Era chegada a hora de entrar no ramo, como fabricante, fundando ano seguinte, em Cachoeira, a empresa individual H. Madeiro da Silva, para não deixar morrer o nome Leite & Alves.

Começa com 83 empregados, número que, com o passar do tempo, vai declinando. A concorrência nas cigarrilhas permanecia severa e pertinaz. A Souza Cruz avançava.

Quanto aos charutos, as coisas também não foram fáceis. A Menendez & Amerino entrara no mercado (1977) e a Suerdieck recém passara para o controle da Mellita (1975) e tinha que mostrar resultados. Tudo contribuía para dificultar a expansão dos negócios de H. Madeiro.

Até que em 2001, numa sucessão natural, seu filho Renato H. Madeiro, por força da inclinação de haver crescido entre fumos e charutos, monta a empresa Talvis Cigarrilhas e Charutos Ltda, em Cachoeira. A seguir, para dividir a receita dos negócios e, assim assegurar seu enquadramento na legislação do SIMPLES, funda a empresa ITB – Indústria de Tabacos da Bahia Ltda (2003), na cidade de Conceição da Feira e a Fábrica de Charutos Leite e Alves Ltda, em Cruz das Almas (2005).

Chega 2007 e com ele o problema que tantas dores de cabeça causou, a exclusão dos benefícios fiscais do SIMPLES, das empresas ligadas ao tabaco. Momento no qual Renato Madeiro, opta por paralisar as atividades da unidade de Cachoeira, concentrando-se nas duas outras.

Renato, 38 anos, é um dos mais jovens empresários charuteiros da atualidade, mantendo suas fábricas com cuidado e organização, desdobrando-se entre elas e outros negócios extensão do seu ramo.

Sua produção de long-fillers não chega a 5% da global. Está focado em charutos short-fillers, tendo a marca Leite & Alves ocupado parte do espaço havido pelo fechamento da Suerdieck.

A unidade de Conceição da Feira, a ITB, se dedica à produção de fumos desfiados e, agora, está ingressando na área de compra e beneficiamento de fumos Brasil/Bahia.

Renato entende que a visão varejista do universo dos charutos melhorou depois de permitidas importações, por haver se tornado mais diversificado, e que boa parcela do mercado foi ocupada pelos produtos estrangeiros. Estes são os que mantêm acesa a chama do negócio, oferecendo opções ao consumidor.  Quanto mais concorrência, melhor, complementa.

Defende ser necessário melhorarem-se ainda mais a qualidade e o sabor, tentando-se levar o aroma do armazém para dentro das caixas dos charutos.

Pontua que o mercado de artigos religiosos toma novos rumos, se sofistica, sob a característica de lojas esotéricas, de cristais, de incensos e que há espaço para os charutos.

Finaliza afirmando que o ser humano está ficando muito igual, tudo está ficando padronizado e se questiona, por entender que a velha escola charuteira deverá ser abandonada. Temos que voltar a ser, mais naturais, mais Brasil.

Portanto, assim como ressurgiu o edifício que, por tantos anos, abrigou a antiga fábrica Leite & Alves, Renato luta para manter viva a marca secular a qual, graças a seu pai e a ele, renasceu das cinzas.
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O futuro a Deus pertence

Atrás da odisseia charuteira baiana, escondem-se vidas. Vivências pessoais que se interpenetram com a labuta profissional. Tanto que, em muitos casos, para melhor se entender esta última, há que saber das primeiras. Ainda mais quando amor, dificuldades e dedicação são os fios condutores da história.

O último adeus

Johann Heinrich Schinke foi um dos muitos alemães que em finais dos anos 20 do século passado, imigraram para o Brasil vindo trabalhar no Recôncavo Baiano. Na Suerdieck, em Maragogipe.

Em 1930 vai à terra natal em busca de um amor antigo. Retorna casado. Das núpcias adveio o casal de filhos, Inge e Rolf. Nomes germânicos, naturalmente. Em decorrência do segundo parto, Schinke perde a mulher, que consigo fora à Alemanha dar a luz.

Retorna viúvo, deixando as duas crianças aos cuidados de parentes. Tinha que começar tudo de novo.

Cá chegando, pouco depois, acontece-lhe o mesmo que ocorrera com Gerhard Meyer Suerdieck, ao se apaixonar pela charuteira Tibúrcia com qual veio a casar, gerando o clã dos Meyer Suerdieck. Schinke encanta-se pela jovem Zelinda, operária da fábrica, mulher de atributos físicos que faziam jus ao nome. Frutos do segundo enlace nascem Gerda, Helmuth e Rose.

Progride no trabalho. Em 1935 assume a gerência da fábrica que a Suerdieck inaugurara em Cruz das Almas.

Estamos, agora em 1942, Segunda Guerra Mundial. É decretado estado de beligerância contra os países do Eixo, autorizando a demissão de empregados estrangeiros, sem direito à nenhuma indenização. Como outros patrícios que trabalhavam nas fábricas de charutos, Schinke perde o emprego. Não bastante, é detido e levado para Salvador para acareações. Foi duro.

Por isso não pode estar presente no momento do registro civil da última filha, em 1943. Desejava que o nome da menina fosse Rose Marie, porém o tabelião a registrou Rose Mary. Nada a ver com os nomes germânicos que escolhera para seus descendentes.

Sua mulher, Zelinda, no esplendor dos 26 anos, dado às perseguições e à detenção do marido, entra em profunda crise depressiva. Dá fim à vida.

Libertado, não se naturaliza brasileiro temendo perder o pátrio poder sobre os dois filhos que viviam na Alemanha. Sem trabalho, novamente viúvo, discriminado, na companhia das três crianças do segundo casamento, em 1944 vai para em Maracás, cidade baiana para onde haviam ido vários alemães. Dali parte para trabalhar numa fazenda em Santa Inês.

As saudades dos filhos que estavam na Europa eram enormes e resolve os trazer para junto de si. Tempos de privação.  As coisas não correm a contento. Afinal, em Santa Inês não havia a atividade que mais gostava e conhecia, produção de charutos.

Em 1948, cessadas e esquecidas as rusgas bélicas e raciais, volta com os cinco filhos, armas e bagagens, para recomeçar a vida em São Félix, sendo admitido como gerente da fábrica local da Dannemann. Consegue permissão para morar com a família, em um sobrado pertencente à empresa.

Pai extremado, não tendo se casado novamente, desdobra-se entre o trabalho e o lar.

Em 1955 a Dannemann entra em processo de falência. Schinke fica desempregado e, outra vez, nada recebendo a título de indenização. Conseguiu apenas continuar morando, de favor, no velho sobrado. 

A imprensa da época noticiava que a causa da falência da empresa fora malversação de recursos.

A Dannemann fechou, mas eu sou um homem honesto, não se cansava de dizer aos filhos.

Esgotadas as economias, vê-se obrigado a vender a casa que mantinha em Maragogipe, na qual desfrutara inesquecíveis anos felizes na companhia de Zelinda.

Recomeça a vida, com a ajuda do filho Rolf, comprando fumos em Arapiraca e montando um pequeno armazém, em São Félix. Adoece. Problemas pulmonares. Em 1958 vai intentar a cura na Alemanha. Não o consegue e na viagem de volta, já em águas brasileiras, falece a bordo do navio. Amigos alemães solidários cuidam de seu sepultamento no antigo cemitério dos alemães, em Salvador.

Os filhos, levados às pressas à capital baiana, só puderam dar o último adeus ao pai, naquele triste momento.

O rio vira charutos

Dispersaram-se os irmãos. A caçula Rose, com 14 anos, continua morando no sobrado de São Félix na companhia de Gerda, irmã mais velha. O irmão Rolf, que ajudara o pai nos seus últimos anos, prossegue no negócio, vindo a ser agente comprador de fumos da Suerdieck, na cidade de Arapiraca, em Alagoas. Graças a ele foi assegurado o sustento dos irmãos.

Seu destino também foi trágico. Casou-se com uma alagoana com a qual teve cinco filhos. Em 1972 foi assassinado com três tiros, crime nunca elucidado.

Retomemos a narrativa.

Em 1959 irrompe grande incêndio que atinge o sobrado. O fogo fora provocado por um comerciante do prédio vizinho, para livrar-se de dívidas. Mais momentos difíceis. Os órfãos ficam sem teto. Neste ano, Gerda casa com um dos diretores da primeira estação baiana de televisão e leva a irmã Rose para morar consigo, em Salvador.

Indo Gerda e o marido para os Estados Unidos, Rose aos 17 anos vai morar num pensionato, e estudar no antigo Instituto Feminino da Bahia (1960-1962) vindo a formar-se em contabilidade.

Enquanto isso, em 1960, outra grande enchente do Rio Paraguaçu. A família perde todo o estoque de fumos do armazém administrado por Rolf.

Todos os finais de ano Rose voltava ao interior, costume dos jovens da época, para desfrutar as férias escolares. É quando, no ano da enchente, conhece e enamora-se por Hermano Martfeld.  Por certo que as lembranças de tais tempos juvenis, quando passeava às margens do rio, de mãos dadas com o primeiro amor, ainda habitam no coração de Rose, sob a forma de saudades.

Ela e o namorado tinham coisas em comum. Afinal, o avô de Hermano fora também um dos muitos armazenistas de fumos da região.

Com a influência da irmã Gerda, Rose consegue para o namorado, emprego como operador de câmara na estação de TV. Namoram até 1969, quando casam.

Com a ajuda do irmão Rolf, ano seguinte, Rose e Hermano, vão morar em Cachoeira e, seguindo a tradição dos seus, decidem ingressar no ramo do tabaco. Montam um armazém, comprando e revendendo fumos do Recôncavo e de Arapiraca. Isto, por cerca de 10 anos, quando resolvem se dedicar à manufatura de charutos.

Nesta oportunidade montam pequeno fabrico, de início informal e a partir de 1981 organizado, sob a denominação Comercial de Charutos Paraguaçu Ltda. Em 1989 acontece a última grande enchente. Cachoeira é inundada. Mais perdas e prejuízos.

Nunca registraram marcas. Nos anéis constava o nome do rio, motivo de alegrias e tristezas. Os charutos Paraguaçu a princípio, foram vendidos em pacotes. Rio de Janeiro, São Paulo, Ceará e Pernambuco eram os principais mercados.

Hermano sempre tomara conta de tudo sozinho. Rose - a partir daqui Dona Rose - não tinha acesso a nada que se referisse aos negócios.

Mulher de fibra

A firma trabalha sem interrupção até 1999, ano em que, outra vez, Dona Rose, seguindo a sina do pai, torna a rimar amor com dor.  Hermano falece de aterosclerose precoce. Dona Rose atribui para o agravamento da doença e o desânimo crônico do marido, o processo que o mesmo teve que responder, junto ao Instituto do Patrimônio Histórico, por haver construído um andar em sua residência em Cachoeira, a qual fora tombada. Virou réu de um processo que lhe causou desgosto profundo.

Registra Dona Rose [] Hermano quando estava doente só fazia juntar documentos nas gavetas [] não cuidava de mais nada [] os impostos deixaram de ser pagos [] dificuldades financeiras com tratamento de saúde []

Ao perder o marido, endividada, vê-se outra vez sozinha na vida. Sem conhecer a intimidade do negócio, começa tudo de novo. Por simples desconhecimento, chegou a despachar charutos usando notas fiscais com prazos vencidos.

No ano 2000 conhece a Jean Baptiste Nardi, que a incentiva a persistir na jornada. Para tanto, também contou com o apoio de Arend Becker da LeCigar,  que lhe conseguiu fumos capeiros, pois a Agro Comercial Fumageira, anterior fornecedora, encerrara as atividades em 1999.

Lutou bravamente. Conseguiu pagar as dívidas e no final de 2003, saneada a Comercial de Charutos Paraguaçu Ltda, monta a empresa individual Rose Mary Schinke Martfeld.

Afora isso, somente agora em 2009, após dez anos de demanda, começará a receber a pensão pela morte do marido.

Dona Rose e Hermano tiveram dois filhos, homens feitos e formados com a ajuda do labor charuteiro. O mais jovem, Herbert, não deseja que ela abandone o negócio.

Dona Rose já cuidou de transladar os restos mortais de seu pai, de Salvador para Maragogipe.

Agora nutre um sonho. Comprar a casa naquela cidade, que pertencera à família.

Quanto aos negócios, com jovialidade ímpar para seus 66 anos, expressa dúvidas [] os negócios caíram [] as dificuldades são sempre maiores [] há problemas de reposição de charuteiras [] as filhas não querem mais trabalhar com charutos [] chegou a ponto de certo cliente, se negar a pagar o valor do IPI e descontar o valor do mesmo [] estou num dilema [] tenho matéria-prima para um ano de trabalho [] ainda vou decidir se voltarei a comprar fumos da próxima safra [] o futuro a Deus pertence, finaliza Dona Rose.


2.    PASSANDO A RÉGUA

O novo empresariado

Na leitura da odisseia do empresariado charuteiro baiano, fica claro que, após a inicial pulverização de fábricas, se verificou um processo de concentração. Era a luta pela hegemonia.

O fenômeno voltaria a se repetir nos anos 80, quando a Suerdieck incorpora a Pimentel e a Ideal. Foi a luta pela manutenção do faturamento, vez que o mercado vinha fortemente declinante.

Encerrando a Suerdieck suas atividades e seduzidos pela possibilidade de um boom brasileiro para os charutos premium, como acontecera nos Estados Unidos, muitos empresários ingressaram na atividade, constituindo novos fabricos, principalmente na cidade de Cruz das Almas. 

Como a Suerdieck ocupava fatia significativa do mercado nacional, tais empresários visualizavam o montante do consumo interno que ficara em aberto com o fechamento da tradicional companhia, sem se aperceberem que a mesma, na realidade, nunca chegara a ser produtora de destaque de charutos da linha nobre.

Seus produtos foram caracteristicamente médios e populares. Não desfrutavam de lugar de destaque nas tabacarias sofisticadas que começaram a despontar no Brasil, a partir dos anos 80.

Em tal momento, além do advento de um mercado editorial charuteiro – que dado à proibição de propaganda de produtos do fumo, teve vida curtíssima - também devem ter contribuído para atrair novos empresários, as ações mercadológicas da Menendez & Amerino.

Alinham-se entre tais ações na busca de visibilidade, o lançamento dos charutos Dona Flor (2000); o dos charutos Aquarius (2004); seus magníficos estandes nas feiras especializadas que começaram a surgir, bem como o fato da empresa haver passado a montar disputadíssimos camarotes no Carnaval de Salvador, até o ano 2008.  Em 2009, pela vez primeira após oito anos, não participou do carnaval baiano, nem da feira nacional anual ligada ao setor. Não deixou, porém de se fazer presente na feira promovida pela IPCPR – International Premium Cigar & Pipe Retailers Association, Inc, na cidade de New Orleans (USA).
A ausência da Menendez e mais outros fabricantes, não passou despercebida pela imprensa. Lia-se na Internet: [] a feira de tabaco Epicure, que se encerra hoje em São Paulo, contou com menos expositores do que nas edições anteriores. Três marcas que tradicionalmente participam da exposição não montaram seus estandes [] (Rodrigo Betolotto – UOL Notícias, 07/05/09).
Quanto às participações nos festejos carnavalescos baianos, atestava a revista VEJA, em 2002 [] Menendez Amerino [] no Carnaval, montou um camarote exclusivo da empresa na Barra, em Salvador, e recheou o local de convidados do Brasil inteiro. Com três andares, salão de beleza, uma boate, DJs para entreter os convivas durante os intervalos das apresentações dos blocos e até uma cama de motel para quem quisesse dar uma descansada, as instalações custaram 300.000 reais []  
Além dos elementos de sedução e atração citados, no meu entendimento, outros fatores há que viabilizaram o surgimento de novos fabricantes.

Um deles a facilidade para produzir anéis para charutos. Até os anos oitenta, o empresário que pretendesse lançar marca nova, com anel próprio, não dispunha das modernas gráficas rápidas, de editoria eletrônica. Tinha que recorrer aos serviços de uma impressora sulista, que se especializara na produção de anéis.

A tiragem mínima exigida andava na casa de um milhão de unidades. A Menendez & Amerino enfrentou o problema quando lançou suas primeiras marcas El Pátio e Amerino. Isto também explica a razão pela qual a Suerdieck, tendo dezenas de marcas distintas, usava um só anel com o nome da companhia. Era conhecido por anel-medalha. A distinção das marcas era feita apenas nas caixas. A empresa encomendava somente cinco comprimentos diversos. Todos Suerdicek o que, aliás, contribuiu para fixação do nome da companhia.

Agora tudo é mais fácil. Do processo de criação de um anel à sua impressão, são poucos dias. E em quantidades mínimas, coisa de 20 mil unidades. Ainda neste campo, o mesmo raciocínio de ser aplicado às presentes facilidades para produção de carteiras de papelão.

Outro fator facilitador reside na área da esterilização dos charutos, via congelamento. Sendo pequenas as produções, o novo empresariado não necessitou investir numa câmara frigorífica. Com congeladores horizontais domésticos, adquiridos à medida das necessidades, resolve o problema. Com apenas um pode começar o negócio.

A produção das caixas de madeira também complicava, e muito, a vida dos empresários charuteiros do século passado. Tanto que a Suerdieck, em dado momento de sua história, se viu compelida a investir numa indústria catarinense, na cidade de Rio do Sul, SC, para ter garantido o abastecimento de cedro laminado. Todas as fábricas tinham suas marcenarias próprias. Era a regra.

Com o desenvolvimento do mercado e a expansão da oferta de placas de compensado de cedro, o que mudou o perfil das caixas, começaram a surgir micro-empresários no setor e a conseqüente possibilidade de terceirização da produção de embalagens. Assim é que, atualmente, há três deles servindo a diversas fábricas. Um, na cidade de Maragogipe e dois, em Cruz das Almas. Bom para os novos fabricantes. Não necessitam investir em maquinário de carpintaria e respectivos insumos.

Por último, vale falar sobre a principal matéria-prima, sem a qual não há charutos: os tabacos, especialmente as capas.

Até os anos 90, a Agro Comercial Fumageira, leia-se Suerdieck, detinha o monopólio da oferta de capas claras e não era norma vender seus fumos a quem o necessitasse.

Uma espécie de comportamento de autoproteção. Tanto que, quando se tinha notícia de algum fabrico doméstico produzindo charutos populares com capas claras, sabia-se que, muito provavelmente, o fumo houvera sido obtido por vias irregulares. Quando fui diretor da empresa, lembro-me de várias diligências feitas a respeito. É verdade que a Agro Comercial Fumageira apoiou a Menendez & Amerino quando esta surgiu, graças à amizade de seu então diretor Fernando Suerdieck com Mário Portugal, o idealizador da Menendez. Foi quase a única exceção.

Hoje, com desaparecimento da Agro, seu espaço foi ocupado por outras companhias dedicadas ao plantio de fumo para capas, não havendo dificuldade maior para compras das mesmas.

Nos três capítulos a seguir veremos, com a extensão permitida pela curta história, o quadro do novo empresariado que compõe o mundo charuteiro baiano.
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Servindo a terceiros

Não há muitos anos, quem desejasse vender charutos no Brasil, que montasse seu próprio negócio de cabo a rabo. Os fabricantes instalados tinham por regra, salvo honrosas exceções, não produzir marcas de terceiros para vendas no mercado nacional. Visavam com tanto, protegerem seus nichos e seus próprios negócios.

Com a gradativa redução do tamanho do mercado, as coisas começaram a mudar. Hoje, o que era regra, virou exceção.

Na presente fase da manufatura charuteira baiana, ante os desafios enfrentados, têm aparecido algumas soluções engenhosas. De modo especial na tentativa de contornar, dentro da lei, a onerosa tributação.

Um de tais meios tem sido a terceirização da produção.

Aqueles que desejam ingressar no ramo charuteiro pela porta comercial, com sua marca própria, responsabilizando-se pela mesma, nas áreas dos registros da propriedade e na vigilância sanitária, contam com algumas facilidades. Não mais necessitam dispor de conhecimentos específicos relativos à manufatura, nem montar uma unidade industrial, com todos os problemas inerentes à mesma.

Para atender tal demanda Rosivaldo Vieira de Oliveira, montou um negócio específico.

Tendo ingressado no ramo charuteiro em 1984, quando foi trabalhar na antiga Pimentel em Muritiba, de lá foi transferido, sucessivamente, para as fábricas da Suerdieck de Maragogipe até 1992 e de Cruz das Almas até 1999, ano do fechamento da empresa.

Rosivaldo a seguir, passa algum tempo fora do ramo, mas segundo declara, contaminado que fora pela atividade, resolve aceitar convite para trabalhar na fábrica AA Julien Bahia Comércio, Produção Artesanal e Serviços Ltda, fundada em 2005. Dita empresa produzia, entre outros, os charutos Caravelas, Quitéria e Dom Lula.

Enquanto isso, vislumbrando outras oportunidades, organiza em 2006, uma firma dedicada à produção de embalagens de madeira, liberando assim as emergentes e pequenas novas fábricas de charutos, da necessidade de um setor específico para tanto. Deu-se bem.

Em 2007, ano em que a firma AA Julien é sucedida pela empresa Tabacos Mata Fina, Rosivaldo a par de continuar na gerência desta última, resolve fundar a R. Vieira Oliveira Charutos, também sediada em Cruz da Almas, com o foco específico de fabricar charutos para terceiros. Atualmente produz sob encomenda, entre outras, a marca Dell’ Áquila.

A R. Vieira Oliveira Charutos  funciona a rigor como uma prestadora de serviços. Quem quiser ter sua marca própria no mercado, não precisa se preocupar com as caixas de madeira, nem com a manufatura dos charutos. Que cuide, apenas, das questões inerentes à marca e à compra de fumos. Rosivaldo faz o resto.
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Prazer em conhecê-lo

Quando das entrevistas e pesquisas, indo à Fazenda Campo Verde, no altiplano cruzalmense, fumando um Don Francisco Toscanino, autêntico home-made smoke baiano, no outono de 2009, foi que o conheci.

Incrível. Estávamos navegando no mesmo barco, por tanto tempo, sem nunca havermos nos cruzado no convés. Sabe-se lá a razão. Ele, às voltas com o plantio do tabaco e eu, com o melhor subproduto do mesmo, os charutos da Boa Terra.

Naquela oportunidade, pareceu-nos tivéssemos mantido fraterna amizade pela vida toda. Questão de pele. Acredito nestas coisas.

Nadinho, engenheiro agrônomo, é uma figura especial, com a qual, quando você gosta de charutos, logo se encanta. Mas, como ninguém é perfeito, tem seus “defeitos”, bem sei. Descobri um. Há trinta anos deixou de fumar. Reserva seu paladar para os testes de fumos e charutos.

É tido, por alguns, como profissionalmente romântico e sonhador. Talvez por haver aprendido a valorizar, como poucos, nossas origem e cultura tabaqueiras.

Seu tratamento familiar, Nadinho, não é justo. Nadinho lembra nada. Deveria ser Tudinho, pois quando se trata de tabacos, de tudo ele entende e luta – bravamente – por se manter fiel aos procedimentos nascidos da labuta de milhares de pequenos e anônimos produtores de fumos. Que descobriram, ao longo dos tempos passados, os melhores métodos de manejo que fizeram a fama mundial dos fumos da Bahia.

Por vezes tem sido contestado, incompreendido, mas não se abala.

Mantém-se fiel aos conhecimentos herdados - a maneira de plantar e colher fumos – sem adotar métodos e procederes de outros países, os quais, segundo ele, comprometem o sabor tradicional de nossos tabacos.

E quando fala sobre tais coisas, fala com emoção. Mais do que emoção. Com convicção sedutora. Tão sedutora que faz o interlocutor pensar duas vezes.

Tudinho – perdoem-me, Nadinho – começou a labutar nas plantações de fumo em 1980.

Está, pois às voltas, neste negócio há três décadas.

Mas, mesmo sem fumar, seu caminho não poderia ser outro. A paixão pelo tabaco baiano o levaria a intentar transformá-lo na sua melhor razão de ser: os charutos. E sendo filho de Francisco, bom filho, buscou no pai a inspiração para o nome do negócio. Com seu irmão, fundou em 2005, lá mesmo, na Fazenda Campo Verde, junto ao campus da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Recôncavo, a San Francisco Indústria e Comércio de Charutos Ltda. Para também agradar sua mãe conhecida por Nena, ciumeira de família batizou suas cigarrilhas de Doña Nena.

Como, porém não há rosas sem espinhos, as coisas não são fáceis serem alcançadas, apareceram uns uruguaios que nunca botaram os pés por essas bandas, que nunca plantaram fumos na Boa Terra, que não fazem parte da nossa história charuteira e que resolveram pretextar o uso da marca San Francisco.

Nadinho, com a inesgotável paciência que caracteriza os plantadores de tabaco, sem dinheiro para gastar em demandas judiciais inócuas, recuou. Sabedoria adquirida por quem, ano após ano, aprendeu que cada safra é uma safra.

Habilmente mudou o nome de sua marca para Don Francisco e inovou, retirando a palavra charutos da razão social da empresa, substituindo-a por produtos vegetais, aquilo que os charutos realmente são.  A firma passou a chamar-se Don Francisco Comércio, indústria, importação e exportação de produtos vegetais ltda. E agora, uruguaios? Havereis de contestar o quê?

Nadinho, nascido Genádio Borges, dedica sua vida, envolvendo-se de corpo e alma, ao plantio de tabacos e à sua manufatura. Seus charutos, exclusivos por terem identidade de procedência geográfica, não são comercializados em tabacarias. São vendidos diretamente a consumidores.

Não nutre pretensão em ser o maior fabricante baiano. Quer simplesmente ser um fabricante diferente. O único que produz seus próprios fumos, preservando a identidade genética e que, para o plantio, segue as velhas técnicas dos lavradores baianos. Bosta de vaca e torta de mamona como adubo e plantas cortadas inteiras, para que as folhas não sofram morte súbita, quando da operação da secagem. São diferenciais que, segundo ele, devolvem aos fumos o sabor do passado.

Não está preocupado com recordes. Sua produção de charutos se limita ao volume de tabacos da sua plantação, sendo envelhecidos por dois anos.

Charutos Don Francisco? Quem quiser ligue para ele. Isto não significa que, a exemplo dos charutos marca Damatta, produzidos para terceiros, sob encomenda, não se disponha a firmar similares contratos, desde que em distintas formulações.

Quem sabe, sonha. Quem sonha, faz.

Nadinho, melhor dizendo Genádio Borges, é outra das muitas esperanças quanto à sobrevivência dos bons charutos baianos.

Prazer em conhecê-lo.
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Os recentes produtores

Além das empresas citadas nos capítulos precedentes, o cenário charuteiro baiano conta com outras mais, sendo quatro com foco na linha premium, duas na linha de charutos intermediários e uma na linha de charutos populares.

São unidades de pequeno porte, todas localizadas na cidade de Cruz das Almas, surgidas no presente século, cuja produção somada, destinada ao mercado interno, beira meio milhão de unidades anuais. Algumas visam o mercado externo, mas os números daí decorrentes não foram computados, por não constituírem escopo deste trabalho.

O clima geral, quanto ao futuro, é de reservas. As opiniões predominantes dão conta que os maiores obstáculos à expansão dos negócios se prendem às crescentes exigências da ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, às questões fiscais, tributárias e burocráticas e à crescente limitação dos espaços para fumantes. A maioria entende ainda que, embora o mercado não venha a se expandir, se manterá por muitos anos, pois sempre existirão apreciadores de charutos.

A cronologia do advento deste recente empresariado espelha o quadro de expectativas que reinou no ramo charuteiro, no início deste século.

1999
·         Dornelas Charutos e Cigarrilhas Ltda.
·         Vide Capítulo “Atabaques & Charutos”.

2000
·         MR Charutos Ltda.
·         Marcus Roberto Dias Santos, 48 anos, sócio titular da empresa está ligado ao ramo fumageiro desde 1985. Havendo se identificado com o setor por ter sido contaminado pela febre dos charutos, montou uma tabacaria virtual em 2000 que não prosperou por restrições de ordem legal. Intentando, sem sucesso, junto aos fabricantes estabelecidos, conseguir uma marca própria, resolveu fundar sua empresa. A produção concentra-se em charutos da linha intermediária short-fillers (96%). Fabrica suas próprias caixas. Rio e São Paulo representam 60% de seus negócios.
2001
  • Josefina Tabacos do Brasil Indústria e Comércio Ltda.
  • Seu proprietário Weber de Carvalho Meyer reside no Rio de Janeiro. A empresa produz as marcas Josefina e Dona Erô (long-fillers) e Robujo e New York (short-fillers).
2002
  • Tabacos Internacional da Bahia Ltda.
  • Fundada em 2002, iniciou sua produção em 2004.
  • Trata-se de empresa caracteristicamente voltada à terceirização, tanto que cerca de 90% do que fabrica são charutos marca Angelina, propriedade de terceiros. A marca própria chama-se Tradição, linha premium. Também opera no mercado externo.
  • Nasceu da associação entre Raymond Martinez, norte-americano, filho de cubanos residente em USA e Altermir Santos Dias, técnico agrícola, 37 anos, ligado ao setor desde 1990, oriundo dos quadros da Suerdieck e da Agro Comercial Fumageira, que cuida do dia a dia da fábrica.
2003
  • Luiz C. Sandes Charutos e Cigarrilhas
  • Empresa individual. Seu proprietário Luiz Carlos Sandes, 43 anos, apesar de não ter experiência anterior, decidiu montar o negócio por perceber que havia espaço para novos empreendedores. Defende a necessidade de se realizar trabalho conjunto para a criação de um Certificado de Origem dos charutos baianos. Seus principais mercados são Rio de Janeiro, São Paulo e Pernambuco. Fabrica suas próprias caixas. Parte de sua produção é feita sob o sistema de tarefas terceirizadas e o maior volume é representado por marcas de terceiros.
2004
  • Maria Simões Gomes Velame
  • Atrás desta empresa individual está Denis Pedra Velame, 67 anos, aposentado, que no período compreendido entre 1964 e 2000 esteve ligado ao ramo do tabaco, de modo especial com a Dannemann. Estimulado por amigos, resolveu produzir charutos populares, sem marca específica e sem anéis, que são vendidos no seu círculo de relacionamentos e amizade. Havendo enfartado em 2000, confessa que o negócio é mais para completar a renda familiar e ajudar a pagar o plano de saúde e que, a cada dia, o ramo fica mais difícil.
2005
  • Don Francisco Com. Ind. Imp. e Exp. de Produtos Vegetais Ltda.
  • Vide Capítulo “Prazer em conhecê-lo”.
2006
  • Manufatura de Charutos São Salvador Ltda.
  • Seu proprietário Pedro Rodrigues de Carvalho Filho, 45 anos, iniciou-se no ramo em 1986 havendo trabalhado nas empresas Agro Comercial Fumageira, Suerdieck e LeCigar. Em 2006, atraído pelos benefícios tributários do SIMPLES, decide montar seu próprio negócio, iniciando em 2007 a produção dos charutos premium, marca São Salvador. Registra a imediata dificuldade com a qual se deparou, pois neste mesmo ano, a par do real supervalorizado, que tornava caros os charutos nacionais em relação aos importados, vem acontecer a exclusão das empresas charuteiras da citada legislação. Também advoga a criação de um Certificado de Origem para os charutos baianos. Seu principal mercado é o Rio de Janeiro. Pedro Rodrigues pontua [] estamos reféns de uma série de atividades contrárias ao negócio []
2007
  • Tabacos Mata Fina Indústria e Comércio Ltda.
  • Fundada em 2007, quando comprou as instalações da empresa AA Julien Bahia Comércio, Produção Artesanal e Serviços Ltda que fora inaugurada em 2005. Em 2008 lança sua marca premium exclusiva, Monte Pascoal.
  • [] a Tabacos Mata Fina empresa que nasce da iniciativa de dois sócios que ainda não tinham negócios ligados à indústria charuteira [] a nova companhia [] vai produzir 20 mil charutos por mês [] afirma Lorenzo Orsi, sócio-diretor [] o foco principal é o mercado externo [] (VALOR, 2008).

  • R. Vieira Oliveira Charutos
  • Vide Capítulo “Servindo a terceiros”.
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3.    ENTRE QUATRO PAREDES


Gatos por lebres

Esta é uma história real. Seu principal ator, num dado momento, transformou-se no inimigo público nº 1 do ramo charuteiro baiano.  Foi um suíço bom de prosa que, por certo período, apareceu como cometa na zona fumageira da Bahia.

O mais interessante é que seu surgimento não foi obra do acaso. Fora presidente da Cia. Brasileira de Charutos Dannemann quando, em 1981 entrara em rota de colisão a controladora da empresa, vindo a ser substituído por Hans Leusen.

Vamos à narrativa.

Esperto como ninguém, malgrado a pirataria e a malandragem que caracterizaram seus negócios, também teve seus méritos. Arrojado em termos de comercialização, usando o nome de grife famoso, sacudiu o mercado, enganou meio mundo, aos árabes inclusive, produzindo charutos sob marcas internacionais, oficialmente falsificados.  O homem pintou e bordou.

Suas empresas, propositadamente, não constaram da cronologia da Parte 2. Achei por bem reservar este espaço para deixar alguns registros sobre o episódio.

Imaginar um nome, criar uma marca que tenha de per si, forte apelo junto aos consumidores, sem necessidade de grandes dispêndios para fixá-la em mentes e corações, é um dos exercícios que mais encanta a quem se dedica a produzir algo.  Eu mesmo dispensei horas de minha vida matutando a respeito.

Agora um esclarecimento preliminar.

No Brasil a questão do direito de propriedade de marcas só passa a ter amparo específico em 1875 com a Lei 2.682 daquele ano. E, detalhe interessante, foi justamente uma demanda quanto a plágio de marca de produto derivado do fumo – o rapé - que a provocou.  Tal lei foi consequência de reação à decisão de segundo grau que, em 1874, reverteu sentença de primeira instância favorável ao autor, absolvendo o negociante de rapé Arêa Parda, acusado de imitar a marca Arêa Preta, ao argumento de que a lei não previa sanção criminal a atos de imitação. Mais adiante o Brasil, em 1891, ratificou e promulgou o Acordo de Madri relativo ao registro internacional de marcas de fábrica ou de comércio, mas denunciou aquele tratado em 31/12/1934. (CORREA, in MARCAS DE VALOR NO MERCADO BRASILEIRO, 2000).

Assim, marcas estrangeiras estiveram, por muito tempo, totalmente desprotegidas. O Brasil nunca fora, como continua não sendo, significativo importador de charutos. Além disso, o protecionismo vigente por muitos anos onerava sobremaneira os produtos estrangeiros. Foi ele, inclusive, uma das causas que, em minha opinião, contribuiu para que a indústria charuteira nacional do século passado, se tornasse obsoleta à nível de tecnologia para produção massiva. A justa concorrência é salutar. Sem ela perdem-se os parâmetros mercadológicos e os consumidores – alvo final de tudo quanto se produz – ficam prejudicados.

Prosseguindo.

Não estando tais marcas protegidas, a má fé e a malandragem de aproveitadores davam margem a requerer registro das mesmas. O empresariado charuteiro sério, como é natural, nunca o fez.

Mas, Peter Koening – eis o nome do nosso personagem – não tinha outros compromissos, se não ganhar dinheiro fácil. Aproveitou-se da brecha nos registros de marcas estrangeiras no Brasil, cuidando em fazê-los, em seu nome e no das firmas que criou.

Fundou sucessivamente, no começo dos anos 80, três empresas para sustentação de seus negócios.  A Davidoff Comércio e Indústria Ltda, a Cohiba Indústria e Exportação Ltda, ambas com sede em Cruz das Almas, e a Davidoff Internacional Ltda, na cidade de Sapeaçu.

Registrou inúmeras marcas famosas, passando a produzi-las, evidentemente sem permissão e sob formulações distintas das originais. Relaciono algumas: Davidoff, Zino, Quai D’Orsay, Romeu e Julieta, Cohiba, Montecristo, Chateaux Margaux, Chateaubriand.

Em 1982, o JORNAL DO BRASIL noticiava [] os charutos Davidoff vendidos no Brasil não são produzidos em Cuba, como os famosos charutos da empresa suíça, mas em Cruz das Almas [] vendidos [] no tax-free-shopping do Aeroporto Internacional do Rio desde dezembro [] são produzidos na Bahia pela recém-criada Davidoff Comércio Indústria, da Sra. Helena Vigna da Silva, mulher do ex-presidente da Companhia de Charutos Dannemann, Hans Peter Koening [] mês passado vendeu 10 mil charutos [] por enquanto apenas com 20 empregados [] será feita a primeira remessa de charutos para o Marrocos [] faz parte de um contrato de um ano firmado [] com a Royal Air Maroc [] os proprietários [] cuidaram bem para descaracterizar a produção brasileira de charutos [] inscrições em inglês e espanhol [] nada em português []

Entrando no mercado nacional, num momento em que os raros charutos estrangeiros chegavam apenas por vias ilegais e caríssimos, o resultado seria rápido sucesso.

Produzindo, com extrema habilidade e qualidade, suas próprias caixas, copiando os padrões iconográficos originais, espalhou seus produtos Brasil afora. Reforçou seu marketing abrindo lojas, em nomes de laranjas, sob a grife Davidoff, em inúmeros aeroportos brasileiros. Aos consumidores de charutos incautos ou desavisados, tais lojas eram verdadeiro paraíso. Fechou negócios com o mercado árabe. Avançou mais ainda, conseguindo colocar seus produtos na loja free-shop do Aeroporto Galeão. Seus charutos começaram, pois, a ir para o exterior, exportados ou através de viajantes, o que, evidentemente, passou a incomodar, mais ainda, os legítimos proprietários das marcas, que estavam de olho nas suas peripécias no mercado doméstico.

O presidente da Cia. Brasileira de Charutos Dannemann, Hans Leusen foi o escolhido para defender os interesses das marcas estrangeiras, cujos nomes vinham sendo usados no Brasil. Tanto se atesta na revista ARTE & TABAC0, 2000: [] um dos maiores desafios na carreira de Hans Leusen [] foi vencer uma briga pelas marcas Dannemann e Davidoff: em 1982, uma pessoa mal intencionada, por meio de uma jogada de registro de patentes, roubou as marcas das empresas no Brasil [] o trabalho [] coroou-se de êxito [] luta longa e cansativa cujo último round ainda está tramitando na Justiça []

Começaram os processos contra suas empresas. Ocorreram alguns casos de apreensão de seus produtos em tabacarias nacionais. Prosseguiu no negócio tendo, segundo se vangloriava, mais advogados que clientes.

Com 12 charuteiras, chegou a vender cerca de 50 mil unidades mensais, a preços altamente compensadores.

Quantas e quantas vezes ouvi consumidores brasileiros, faceiros da vida, dizerem-me que tinham deixado de fumar charutos nacionais, pois agora havia Davidoff no mercado.

Na verdade fumavam apenas o anel. Dentro das caixas havia charutos brasileiríssimos, em nada melhores que os melhores produzidos pelos fabricantes idôneos. Consumiam gatos por lebres e, ainda por cima, pagavam muito mais. Retrato de um mercado consumidor que, então, pela falta de parâmetros comparativos, nada conhecia das múltiplas variedades gustativas dos charutos.

A coisa foi de tal extensão que, quando nosso personagem lançou no final de 1982, as cigarrilhas Davidoff, com preço nas nuvens, em “autênticas” caixas de madeira com 20 unidades, houve um rebuliço geral. A análise do produto revelava que tais cigarrilhas eram produzidas à máquina. A pergunta, entre o pessoal do ramo, era como ele conseguia produzi-las se não tinha equipamento para tanto.

Descobriu-se a falcatrua. À época, a Souza Cruz ainda fabricava cigarrilhas Moreninha: produto, de preço muito acessível, em carteiras de papelão, tendo como capa fumo Burley (usado em cigarros). O suíço esperto comprava tais cigarrilhas, retirava o celofane e o anel, reduzia o comprimento das mesmas e, simplesmente, as colocava na embalagem com a marca Davidoff. E o mercado, feliz da vida, as consumia.

Teve uma brasileira, por mulher e sócia, nas suas empreitadas. Ele vivia viajando pelo Brasil e pelo exterior, fazendo negócios. Ela cuidava, com mão de ferro, das atividades fabris. Desfrutavam vida luxuosa.

Depoimentos de antigos empregados dão conta que os donos do negócio costumavam pagar salários bem acima da média vigente no mercado, mas que eram intransigentes no cumprimento das rotinas do trabalho. Revólveres estavam sempre à mostra para quem quisesse ver. O clima interno era de temor. E, quando despedidos, não se atreviam a reclamar direitos na justiça trabalhista.

Entrevistei uma ex-funcionária que não recebeu seus direitos e nunca foi reclamá-los. Disse-me mais. Que seu nome foi usado como “laranja” em uma das muitas lojas Davidoff, com a promessa de, depois, ser substituído. Nunca foi feita a troca. Até hoje, para garantir seu CPF, ela se vê obrigada a fazer declaração de imposto de renda, por continuar sendo sócia de uma firma que nunca viu na vida.

Mas como disse, o homem teve seus méritos. Cito um.

Até ele aparecer no mercado, os tubos de alumínio para charutos no mercado nacional, não tinham tampas de rosca. Eram tampas plásticas de embutir, cujo aspecto deixava a desejar. Pois ele, adiantando-se aos demais fabricantes, conseguiu uma fonte nacional para produzir tubos com tampas rosqueadas, iguais aos produzidos no exterior. E, além de lançar o Davidoff Tubos Habana Club, passou a personalizá-los para inúmeras empresas brasileiras do ramo da hotelaria e outros.

Belo dia, ele e a mulher se desentendem. Somaram-se aos problemas externos decorrentes dos processos de marca, questões conjugais. História que foge ao escopo deste livro.

Cada qual cuidando de si, raspando o cofre, o negócio começou a declinar. Advindo a falta de fumos, passaram, por algum tempo, a encomendar charutos junto a outros fabricantes. Tudo por baixo do pano. Em 1992, os negócios sofreram solução de continuidade.

Nosso personagem, deixando mulher e filha, retorna à sua terra de origem, na qual vem a morrer no ano 2000.

O cometa sumiu. Mulher e filha continuam residindo no Brasil. A história acabou.
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Fundos de quintal

Esta é uma história antiga. Voltemos em finais do século 19. O rapé e seus espirros, o fumar de então, vão sendo desbancados pelos charutos e suas fumaças. O modismo, brotado nas elites reinantes, é rapidamente assimilado por todas as categorias sociais. Populariza-se.

Por outro lado, ao contrário do rapé, os rolinhos de fumo não exigiam nenhum aparato técnico para serem feitos. Qualquer pessoa poderia produzi-los.

Assim, fazer charutos passou a ser um meio fácil de arranjar alguns trocados extras. Em especial para as mulheres, que ainda viviam num mundo profissionalmente inacessível para elas. Em torno da mulher se reuniam filhos e outros membros da família para ajudá-la.

Surgem os charutos produzidos em centenas de domicílios. A oferta ampliada formou a base para um comércio informal da nova forma de desfrutar o tabaco.

Os fabricos domésticos brotavam como borbulhas de água fervente. Negócio que representava renda às mulheres e, num certo sentido, afirmação no meio social.

Registra-se que em inícios do século 20, haveria algo como trezentos de tais fabricos. Penso possam ter sido bem mais. Tudo informal.

O crescimento do consumo dos charutos, por certo atraiu a atenção de empresários, para o negócio que florescia. Os fabricos domésticos passam a ser os embriões da atividade charuteira. Que na maioria dos casos, mesmo quando organizada, continuou se valendo das produções domésticas. Os compromissos com a qualidade, no início, não deveriam ser muito relevantes. 

Quem chegou até este capítulo, deve haver constatado a permanente presença da produção domiciliar, ao longo da nossa odisseia charuteira. Fato que não é exclusividade da Bahia. Em Cuba, por exemplo, tais pequenos fabricantes eram chamados chinchaleros. Palavra derivada de chinchal, ou seja, quintal.

Antônio Leal Sales, 72 anos, são-gonçalense, testemunha [] nos anos 40 os passeios eram tomados pelas charuteiras [] colocavam o fumo picado para secar sobre panos de aniagem, [] em frente das casas [] o chamado bagacinho [] refugo dos armazéns [] sem valor para exportação [] vendido a preço de bananas [] com os quais faziam os charutos para vender nas suas janelas e na feira [] eram tantas, tomando o passeio que o prefeito [] passou a proibir [] quem tivesse bagacinho para secar que o fizesse nos seus quintais e não nos passeios públicos []

Elizabeth Silva, 2001, ratifica [] os fabricos representavam uma rede clandestina de produção de charutos que mantinha o comércio ilegal [] a prática era ampla e comum na região [] era ilegal mas forçada pelas necessidades econômicas e falta de alternativas de empregos na região []

Não há condição de bem se avaliar o volume pretérito e o presente da produção subterrânea.

Sabe-se que a mesma, conhecida entre nós como fundos de quintal e seus charutos como regalias de balaio, sempre se supriu de tabaco, em diversas fontes. A matéria-prima procedia de fumos desviados das plantações, dos secadores de fumo, dos armazéns de beneficiamento e parte era comprada nas feiras livres, em mãos de pequenos lavradores.

Outra forma que se lançava mão para conseguir fumo a custo zero, era sagaz.

Os armazéns exportadores recorriam à mão-de-obra externa, para os serviços de retirada da veia central das folhas (destalo). Para tanto formavam pequenas trouxas de fumo, com peso que permitisse uma pessoa transportá-las. As mulheres levavam-nas para suas casas, onde em família, faziam o trabalho.

Por outro lado, era de todos conhecida a porcentagem da quebra decorrente da operação. O peso das folhas desviadas era compensado pelo acréscimo de pedras, areia, etc. Sendo centenas as trouxas devolvidas aos armazéns, não havia tempo de abrir, uma a uma, para conferência. Nem necessidade. Os exportadores não eram bobos. Conheciam a prática. Pagavam pelo serviço, um preço que, de antemão, lhes compensava o prejuízo.

[] nesse período industrial das primeiras décadas do século XX vale um registro especial para a indústria caseira de charutos, que se constituía num “ganha-pão” extra para muita gente [] adquirindo o formato dos charutos produzidos nas grandes fábricas Dannemann, Costa Penna e Suerdieck [] eram vendidos nas quitandas ou na própria feira livre, expostos em balaios. Por essa razão eram chamados vulgarmente “regalia de balaio” [] o fumo [] era adquirido nos enfardadores ou na feira livre onde era vendido pelos pequenos agricultores de fumo [] (MELLO, 2001).

Em Muritiba [] raras são as casas que não sejam pequenos fabricos de charutos [] em todas as mesas é o fumo e sua indústria que, direta ou indiretamente, põe o pão de cada dia [] (CASTRO, 1941).

Houve momento, inclusive, que a prática clandestina se aperfeiçoou e ganhou corpo, passando a ofertar charutos, em versões similares às da produção organizada.

Registrava o jornal CORREIO DE S. FELIX, 1944 [] quando é lançada [] uma marca que obtém sucesso comercial, semanas depois aparece um similar, em que às vezes, até o nome e a embalagem são imitados [] o preço inferior do produto similar desmoraliza o primeiro que vinha fazendo sucesso, e como similar não é igual, pouco tempo depois também desaparece, pois o fumante experimentado, abandona o original e a imitação [] um dos maiores inimigos do fabricante legalizado é a concorrência subterrânea por fabricantes que vivem e proliferam às margens de todas as exigências legais [] eles imitam marcas, não pagam impostos, desrespeitam o salário-mínimo, ocultam-se das exigências trabalhistas []

Dez anos depois, lia-se no mesmo periódico [] a concorrência clandestina dos charutos vendidos [] por fabricantes fraudadores [] charutos sem selo inundando os mercados [] a preços que as fábricas [] não podem competir []

Ainda nos anos 80, tive oportunidade de conhecer inúmeros destes negócios individuais, expondo às janelas de suas casas, o produto de seu labor. A maior parte era adquirida por intermediários e comercializada na Feira de São Joaquim, em Salvador. Muitos turistas compravam tais charutos artesanais, por vezes embrulhados em folhas de jornal. O fato é que eram consumidos e nunca participaram das estatísticas.

A cada charuteira desempregada com os insucessos empresariais, quase sempre correspondeu nova fonte de produção marginal. Questão de sobrevivência para, como se diz no Recôncavo Baiano, garantir a feira.

É o caso da charuteira Anatália Conceição da Silva, 74 anos, ao declarar [] o valor da aposentadoria é pequeno [] resolvi voltar a fazer o que sabia [] tenho minha freguesia própria [] boa parte é o pessoal da roça [] os velhos estão cansados, os novos não querem aprender [] enquanto tiver disposição e saúde, vou continuar fazendo meus charutos []

Ainda hoje, os fundos de quintal convivem com a atividade organizada, mas é evidente que num patamar que acompanha o novo volume de negócios, implantado pela drástica redução de consumo dos charutos populares.
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Atabaques & Charutos

Em artigo publicado no jornal TRIBUNA DA BAHIA em 1985, registrei que nunca menos da quarta parte da produção nacional de charutos, se escoava em cultos afro-religiosos. A expressividade deste segmento consumidor era tal que, a marca Índios, os charutos preferidos pelos pais-de-santo, representava metade do volume das marcas Suerdieck no Rio de Janeiro.

Outra indicação? Ao assumir a direção da fábrica Pimentel quando a mesma passara ao controle da Suerdieck, deparei-me com várias marcas voltadas ao sincretismo: Tranca Rua, Oxossi, Ogum, Cabocla Jurema, Pomba Gira e Exu.

Em 1998, a GAZETA MERCANTIL, edição 21 de abril, registrava que 80% da produção de charutos baianos eram consumidos por pais-de-santo. O exagero deve ter partido de quem desconhecia a realidade. Mas, afora isso, também lia-se [] os distribuidores das principais marcas nacionais e proprietários de tradicionais tabacarias de São Paulo têm a mesma opinião a respeito do mercado consumidor: os rituais de candomblé e umbanda ganham disparado no consumo do produto, mas apenas os da linha popular []

Cá no Recôncavo Baiano – por extensão, deduzo que noutras paragens – não mais ecoam os atabaques nas silentes madrugadas. Os terreiros dos variados matizes das religiões não cristãs, dos caboclos e orixás, que nos chegaram a bordo dos execráveis navios negreiros, estão desaparecendo.

Tenho me indagado quanto às causas do fenômeno.

Testemunhos colhidos junto a produtores de charutos populares, empresariais e domésticos, são unânimes em afirmar que o indiscutível avanço dos cultos evangélicos, alguns francamente hostis às raízes religiosas africanas, tem contribuído para tanto. E, assim, para a queda do consumo de charutos populares.

Quando, nos anos 80, eu descia para as cidades de São Félix, Cachoeira e Maragogipe, margeando o Rio Paraguaçu, era enorme a quantidade de terreiros existentes. Não havia necessidade de se procurar muito. Bastava localizar as bandeiras brancas, sempre desfraldadas, por sobre os telhados das casas. Aos poucos eles foram sumindo.

É fato notório o crescimento das religiões evangélicas. Entre elas pontua a Igreja Universal do Reino de Deus que acusa o candomblé e seus orixás de serem coisas demoníacas. Sua penetração seja no Recôncavo Baiano, quanto no Rio e São Paulo, vem dizimando os terreiros, causando estragos na cultura afro-indígena-religiosa.

A religião católica há dois mil anos, apropriou-se de datas pagãs, fazendo-as suas. Assim, atraia os pagãos. Os cultos afros apropriaram-se dos santos católicos, mesclando-os com seus orixás. Fugiam de tal forma, das perseguições do catolicismo, então religião oficial. A IURD configurou-se como religião cristã e valeu-se de alguns ritos católicos e outros. Todas foram hábeis na tentativa de atrair adeptos.

São simples constatações que não pretendem, em absoluto, entrar no mérito de tais comportamentos. Mesmo porque no passado, o catolicismo em seu esforço de cristianização, também reprimiu e sufocou nossos pajés e nossos tupãs. As colocações visam apenas focar um dos escopos deste livro, qual seja a redução do consumo de charutos brasileiros nos terreiros. Só isso.

A significativa queda das vendas de charutos populares, por força de tais circunstâncias, passou despercebida aos fabricantes. Mas, não à Souza Cruz que produzia à máquina, em 1985, algo ao redor de 8 milhões unidades ano, de um charutinho chamado Batuta, líder absoluto entre todas as marcas populares. Mesmo assim, a citada companhia resolveu sair do mercado charuteiro. O que não deixou, então, de dar breve refresco para os fabricos domésticos e mesmo para as linhas populares da Suerdieck e da Pimentel.

Vamos, agora, a outra história de vidas e charutos, inserida neste contexto.

Em Nagé, distrito de Maragogipe, vive um carioca, umbandista confesso. Chama-se Leonel Dornelas Souza. Ao vir para a Bahia em 1989 conhece uma jovem que intermediava vendas de charutos produzidos naquela localidade. Amor à primeira vista. Casam-se. Concentram-se no negócio no qual Lucivanda – esse o nome da jovem – mantinha, enquanto solteira.

Conhecendo o Rio e seus centros espíritas, Dornelas enchia o velho fusca e saia, estrada afora, levando charutos de Nagé. Andou um bocado em suas idas e vindas, sempre com mais charutos.

Com uma clientela carioca formada, volta a morar no Rio, ajudando a promover vendas dos charutos marca Nagé, produzidos por Dona Leninha, guerreira da qual tratarei no capítulo a seguir.

Tudo prosseguia nos seus conformes até quando, em 1997, sua fornecedora opta por prestigiar a filha que também ingressava no fabrico e se diz não mais em condições de abastecer Dornelas.

O casal retorna à Bahia. Vai para Muritiba onde em 1999, monta sua própria manufatura. Afinal, os velhos clientes e amigos do Rio, lá continuavam.

Nasce a Dornelas Charutos e Cigarrilhas Ltda, focada no segmento afro-religioso. Em 2002 decidem-se por voltar às origens, Nagé, onde permanecem operando.

Engenhoso, para reduzir custos, Dornelas usa papel de seda marrom como capote, em seus charutos de fumo picado. Para colocação das capas conta com 14 charuteiras externas. Das suas vendas, 90% se destinam ao Rio de Janeiro.

Questionados, ele e sua mulher, quanto ao momento presente, atribuem à Igreja Universal a queda do consumo de charutos, revelando-se conservadores, mas nem tanto.

São unânimes ao declarar [] de 2002 para cá o negócio caiu uns 40%, mas no momento se apresenta estável [] agora o pessoal dos terreiros, quase todo, anda com a Bíblia debaixo do braço [] os charutos catarinenses ainda são mais baratos [] está difícil trabalhar [] não sabemos por quanto tempo vamos suportar [] o cerco está fechando [] não é mais uma maré, é um tsunami []

Estão se preparando para o pior.

Abriram, ao lado da fábrica, uma academia de ginástica.
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Bravas guerreiras

A meio caminho entre São Félix e Maragogipe, à margem direita do Rio Paraguaçu está Nagé, gente maragogipana que se dedica à pesca e à manufatura de charutos. No passado, uma das fábricas Dannemann, lá funcionou. Foi nela que ganharam a vida, pais e tios de Salvelina Santos Matheó, 71 anos, só conhecida por Dona Leninha.

Casando aos 21 anos, o marido não queria que ela trabalhasse, costume da época. Mulher operosa, não se conformou e, a conselho de uma das tias, operária da Dannemann, resolveu produzir charutos em casa. Em 1959, portanto há meio século, com dois animais de carga, parte em direção a Muritiba para comprar fumos.

Cândido Pimentel foi seu primeiro fornecedor. O velho Cândido tinha dessas coisas, gostava de ajudar os outros. Articula-se também com Marivaldo Souza, precursor dos charutos Ideal.

Em pouco tempo, contava com 26 mulheres trabalhando na manufatura doméstica, mais outras 51 na rua, forma de referência na região fumageira, às charuteiras que trabalham em suas próprias casas.

O marido de Dona Leninha era saveirista. Dedicava-se ao transporte de mercadorias para Salvador, rio e mar afora. O problema do transporte para o grande centro estava assim resolvido.

As entregas eram ponto a ponto. De Nagé até a famosa Feira de Água dos Meninos, floresta de mastros de saveiros, lugar dos cheiros, dos gostos e das coisas da Bahia. Dos charutos populares, também.

Os negócios prosperaram. Seguiam no barco, 70 a 80 mil charutos semanais. Houve semanas de 100 mil. Nenhuma burocracia. Tudo na base do toma lá, dá cá. A Feira de Água de Meninos não interessava aos fabricantes organizados da época. Mas, lá se vendiam charutos. E muitos.

Dona Leninha instala-se num confortável nicho. Não que estivesse sozinha, mas competente que era e sem custos de transporte, sobrepujava os incontáveis atravessadores que intermediavam charutos produzidos no Recôncavo, para igual negócio.

Em paralelo, com o trabalho de suas charuteiras, muito contribuiu para complementar as produções das firmas muritibanas Pimentel e Ideal, bem como a da cachoeirense H. Madeiro da Silva (Leite & Alves). Por isso que, muitas vezes, quando se confrontam os volumes de produção das fábricas com as respectivas quantidades de empregados, as contas não fecham.

Evoluindo, lançou os charutos Nagé, inspirados no formato e na embalagem da marca Batuta, produzida pela Souza Cruz. Viajavam de ônibus para as lojas de umbanda do Rio e São Paulo.

[] a feira nem bem sabia / se ia pro mar ou sumia / e nem o povo queria / escolher outro lugar / enquanto a feira não via / a hora de se mudar / tocaram fogo na feira [] por cima da feira, as nuvens / na frente da feira, o mar / atrás do mar, a marinha / atrás da marinha, o moinho / atrás do moinho, o governo que quis a feira acabar [] (ÁGUA DE MENINOS, Gilberto Gil e Capinam, 1966).

Os anos passaram. Em 1964 a feira pegou fogo, o consumo de charutos diminuiu, mas Dona Leninha persistiu.

Atualmente trabalha por força do hábito. Instalada em sua aprazível casa em Nagé, contenta-se com seis mil charutos mensais, produzidos por 11 mulheres.[] O consumo pode até continuar caindo, mas nunca terminará [] enquanto eu viver e até quando os governantes deixarem, vou continuar, assevera.

Em 1997, Lenivalda Matheó, filha primogênita de Dona Leninha, inclina-se para a atividade da mãe e dos avós. A necessidade de sobrevivência contribuiu para tanto. Lenivalda vinha, antes, cuidando do comércio dos charutos em São Joaquim, feira que substituíra a de Água de Meninos. Estabelecera valiosos laços comerciais e de amizade. Os caminhos estavam abertos.

Em sociedade com seu filho, funda em Nagé a empresa Matheó Charutos e Cigarrilhas Ltda, sucedendo Dona Leninha em seus negócios.

Em 2001 opta por transferir o fabrico para Maragogipe, conseguindo instalar-se – ironia do destino – numa das dependências ainda não carcomidas pelo tempo, do prédio que pertencera à Suerdieck, abandonado desde 1992.

E tocou sua vida. A Matheó, atualmente, opera com 10 funcionárias, mais 20 charuteiras externas. Lenivalda, tão dedicada quanto a mãe, focou-se no mercado afro-religioso e destina cerca de 60% da produção de suas marcas Ouro da Bahia, Itapoan, Cabaleros e Indi, para o mercado paulista.

Indagada a respeito do futuro é enfática [] de 2000 para cá, caiu muito [] tá difícil [] cada dia fica pior [] vou empurrando com a barriga enquanto der [] continuar não sei como, mas tenho que continuar []
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4.    DESAFIOS

Retrato do presente

Vale insistir que, sendo este trabalho voltado para charutos produzidos na Bahia, destinados ao mercado nacional, excluindo exportações, há que se compreender a dificuldade para identificar números concretos do consumo doméstico no passado, bem como para quantificar a presente realidade nacional, nesta incluindo-se charutos procedentes de outros estados e importados.

Os fabricantes tinham como praxe propagar seus investimentos e lançamentos, suas despesas com pessoal, o montante dos impostos pagos, os gastos com assistência médica, as dificuldades com transporte, a falta de capital de giro, a quantidade de empregados, os aumentos da carga tributária, etc, mas no geral, não declaravam as quantidades produzidas.

São raríssimas as citações encontradas. Quando aparecem, além de eventuais exageros, englobam, num só numero, charutos e cigarrilhas, destinados tanto ao mercado interno, quanto ao externo. Como pistas, quando muito, nos finais do século 20, anunciavam quedas percentuais de vendas.

Ao citarem os empregos gerados, para ressaltar a importância do segmento, muitas vezes, tinham por norma não separar os ligados à manufatura propriamente dita, dos demais, vinculados ao setor de beneficiamento de fumos para exportação. Fato que torna impossível estimar a produção de charutos com base no número de empregados. Soma-se a isto o processo de mecanização que foi implantado, no caso da Suerdieck.

Sendo assim, os volumes de produção citados neste trabalho, nasceram da garimpagem de dados que obtive por força da minha atividade profissional, somados e cruzados com informações em entrevistas, periódicos e outras fontes.

Segundo o JORNAL DO BRASIL, em 1985 o mercado interno consumia 80% da produção total, então formada por 30 milhões de charutos. Ou seja, na realidade o mercado nacional de charutos andaria na casa de 24 milhões de peças, incluindo-se neste montante, charutos nacionais de procedência não baiana, bem como os importados, por vias regulares ou não.

[] Hugo Carvalho, diretor da Suerdieck, embarca [] para Cuba [] negociando na área agrícola e manufatureira do tabaco [] vai a convite do Ministério do Comércio do Exterior de Cuba [] tentará o licenciamento para produção no Brasil de algumas marcas cubanas (JORNAL DO BRASIL, 1986).

Quando estive em Havana, em reuniões mantidas com os dirigentes do monopólio estatal, então CUBATACO (Francisco R. Padrón Perez e Juan Moro Sarabia, entre outros), ao quantificar-lhes o mercado brasileiro, se mostraram surpresos. Creio, até, tenham duvidado, imaginando estivesse escondendo os números reais.

Compreende-se o sucedido. Raciocinavam meus interlocutores, tendo em conta consumo interno cubano e a população daquele país frente à nossa.

Afinal, em 1910 com apenas 2,1 milhões de habitantes, o mercado interno cubano consumira 169,2 milhões de charutos. Algo como 80,5 unidades per-capita ano. Mas, o fato é que no Brasil a situação era bem distinta. Tanto que, respeitando a proporcionalidade cubana bruta de consumo, no ano 1910 nossos 24 milhões de habitantes, teriam fumado a majestosa cifra de 193 milhões de charutos, quantidade nunca atingida no mercado interno. Nem quando do ápice da atividade charuteira baiana.

Em 1930, Cuba apresentava um consumo médio anual por habitante, de 39,5 charutos. O nosso era de 3,5 unidades.

Num raciocínio matemático linear e desconhecendo nossa realidade, tinham razão os cubanos em duvidar.

No pico da produção destinada ao consumo nacional, acontecido no início dos anos 50, nossa média de consumo bruta (população total) não ultrapassava 2,8 charutos por habitante.

Para se ter uma ideia da inexpressividade do consumo nacional, eis os números do consumo anual (charutos e cigarrilhas englobados) por habitantes (maiores que 16 anos) de alguns países, nos anos 80. Dinamarca: 175; Bélgica/Luxemburgo: 106; Holanda: 76; Suíça: 65; França: 45; Alemanha Ocidental: 36; Reino Unido: 34; Espanha: 32; Suécia: 21 e América do Norte: 20 (STONE, 1983).

Nos dias presentes, quando o consumo nacional global, isto é, computando-se charutos e cigarrilhas, nacionais e importados, anda no patamar de 30 milhões de peças, se confrontarmos com nossa população maior de 18 anos, algo a redor de 115 milhões, vê-se que o consumo médio per capita está abaixo de 0,3 peça por ano.

Para detectar o quadro atual, organizei a produção e a demanda partindo de inúmeros pressupostos e análises.

Para tanto dissequei a produção em organizada e subterrânea (fabricos domésticos); os charutos, por sua vez, foram apurados em premium, médios, populares e para rituais, com base na minha experiência e nas entrevistas com as 17 unidades produtoras baianas, de todos calibres; estimei as produções de outros estados, especialmente Santa Catarina e São Paulo; levantei as importações regulares, projetando também o sabido contrabando de produtos estrangeiros.

Em resumo, de tal trabalho posso afirmar.

  • A produção nacional anual de charutos (todas as categorias), destinada ao mercado interno, anda na casa de 5,8 milhões de unidades. Destas, 4,6 milhões são provenientes da Bahia.
  • Os charutos provenientes do Exterior, incluído o contrabando, se situam no patamar de 4,2 milhões de unidades.
·                    Assim sendo, o consumo nacional anual de charutos representa algo ao redor de 10 milhões de unidades.
  • A produção nacional anual de cigarrilhas, destinada ao mercado doméstico, é da ordem de 9 milhões de unidades. As importadas, algo ao redor de 11 milhões. Total do consumo anual: 20 milhões.

Quanto aos charutos e suas origens, as duas tabelas, a seguir, falam por si.


MERCADO BRASILEIRO ANUAL
ORIGENS
 Charutos
%
Bahia
       4.600.000
46%
Outros Estados
       1.200.000
12%
Estrangeiro
       4.200.000
42%
Totais
     10.000.000
100%
MERCADO BRASILEIRO ANUAL
ORIGENS
 Charutos
%
Regulares
       7.831.000
78%
Clandestinas
       2.169.000
22%
Total
     10.000.000
100%



Para finalizar este capítulo, registro:

A produção baiana destinada ao consumo interno (4,6 milhões) é representada por 28,3% de charutos premium, 59,1% de charutos médios e populares; 12,6% de charutos para rituais.

O consumo total do mercado interno (10 milhões) é formado por 34,4% pelo segmento de charutos premium, 49,2% pelo de charutos intermediários e populares e 16,4% pelo de charutos para rituais religiosos.

Eis, sem retoques, o retrato do presente. Pálida imagem do que seria nosso mercado, se o índice de consumo fosse o verificado nos anos dourados da atividade.
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Remando contra a maré

A Bahia já nos deu régua e compasso, disse o poeta. Deu também, barões do açúcar, do cacau e do tabaco. Para ficarmos nestes últimos, como comprovação, basta nos debruçarmos sobre as biografias dos pioneiros que se dedicaram à exportação de fumos e à produção de charutos.

Os tempos do baronato fumageiro eram outros, provinciais, quando empregar muita gente era fator de prestígio e, tão importante quanto, de se ganhar dinheiro. Falo da época dos chás das cinco, dos fraques, das galochas, dos pedidos de casamento, do transporte no lombo de burros, dos vapores e das marias-fumaças, dos lampiões a gás, das educadas galanterias. Do coração saltando boca afora, quando do primeiro beijo.

Tudo isto passou. Restou a aura que, como efêmera fumaça se dissipou, convertendo-se em um esperançoso saudosismo, que contaminou o sangue daqueles que seguem na labuta, vendo a areia escorrer na ampulheta do tempo.

Quando me iniciei no mundo mágico dos charutos, Benjamin Menendez, tutor do meu aprendizado, sempre repetia que charutos feitos à mão eram produzidos por países pobres e consumidos por países ricos.

Estava aí a chave do enigma.  Países pobres significavam países de baixa renda per capita, salários reduzidos e, portanto, custos operacionais mais baixos.

Nada custa repetir que charutos são formados, fundamentalmente, por dois custos diretos principais. Tabaco e mão-de-obra. Grande parte do que se fuma ao degustar um charuto não se vê, não se aspira, não se sente o sabor, mas lá está. O custo do manuseio das folhas de fumo.

Recordemos ainda que os primeiros charutos, no Brasil, surgiram antes da abolição da escravatura. Os pequenos fabricos pioneiros tinham no primeiro escalão, técnicos estrangeiros; no segundo, uns poucos cidadãos livres e na parte abaixo, um operariado servil formado por escravos ou quase isto.

Não foi por acaso que, em Cuba, chamou-se galera ao setor do fabrico propriamente dito. Os movimentos, contínuos e repetitivos, de dezenas e dezenas de mãos manipulando o tabaco, evocavam a mesma monotonia dos escravos, no andar de baixo das galeras romanas, ao manobrarem os remos propulsores.

Não era exclusividade da atividade charuteira o desamparo dos trabalhadores. Turnos de até 14 horas, emprego de trabalho de menores, ausência de direitos das gestantes, de férias, do repouso remunerado, de indenizações, de gratificação natalina, integravam o quadro sócio-econômico da época. Compromissos sociais com a mão-de-obra, praticamente não existiam. Hoje, ultrapassam a casa dos 100% do valor dos salários.

Dá para se imaginar qual seria então, a representatividade do custo da mão-de-obra?

As inevitáveis e justas conquistas da classe obreira, ao longo do tempo, foram minando os custos, com reflexos diretos nos preços aos consumidores. Os charutos tornaram-se cada vez mais caros. Falo do Brasil.

Para que melhor isto se compreenda, vejamos alguns números.

De acordo com cânones charuteiros dos anos 60, a mim transmitidos por Benjamin Menendez, o custo da mão-de-obra direta, em charutos feitos à mão, não deveria ultrapassar o contravalor de 100 dólares por milheiro. No espaço de 50 anos, chegou-se à casa dos 760 dólares, valor que agora está correspondendo a mais que o dobro do dispêndio com o tabaco. Fuma-se cada vez mais mão-de-obra. As equações de custos dos fabricantes sofreram completa reviravolta.

É importante que isso fique claro, para que se entenda boa parte do acontecido com a indústria charuteira baiana, ao longo do século 20.

Lembremos também que os precursores, alemães em sua maioria, vinham para o Recôncavo Baiano para se estabelecerem na compra, beneficiamento e enfardamento de fumos para o exterior.

O fumo em folhas foi, em todos os casos dos pioneiros da odisseia charuteira baiana, a base de formação da atividade, a fonte para o acúmulo de capital, que lhes permitiu se voltarem para a produção de charutos.

Afora isso, até o auge da produção destinada ao mercado doméstico, o Brasil apresentava reduzida renda per-capita. Em outras palavras, não tinha potencial para consumo de charutos premium. Somente para os das linhas ditas intermediárias e populares. Isso explica o fato da Suerdieck, considerada num dado momento da sua história, como uma das maiores unidades artesanais de charutos, não haver logrado êxito com produtos mais sofisticados.

Nunca tivemos um grande público para charutos em geral e, particularmente, para os ditos da linha nobre. A essa realidade os produtores se ajustavam, pois mercado é mercado.

Acontece que, em tempos de inflação, o empobrecimento gradativo das classes consumidoras dos charutos intermediários e populares; a concessão de prazos de pagamento dilatados; a crescente carga de impostos, sempre exigindo mais capital de giro; as altas margens de comercialização que, num dado momento, começaram a ser praticadas pelas tabacarias; o deslocamento dos consumidores para os cigarros, bem mais baratos; assim como a impossibilidade de reduzir custos, via mecanização, dado à multiplicidade de opções fabricadas, num mercado em queda, levaram ao quadro que arruinou as grandes companhias charuteiras baianas do século 20.

A inflação dos anos 80, corroendo o poder de compra, deu sua parcela de contribuição.  Para contornar a necessidade da contínua edição de listas de preços, em 1984, a Menendez & Amerino, chegou a indexá-los em UPC (Unidade Padrão de Capital), uma das muitas moedas paralelas que infestavam o mercado financeiro nacional. Assim, ao menos, reduzia gastos com edições de tabelas. Fui o pai da criança.

Mas isso e nada foi a mesma coisa. Mais na frente, a continuada perda do valor de compra da moeda, levou os fabricantes a, simplesmente, deixarem de publicar suas listas com sugestões de preços a serem praticados aos consumidores. Cada qual se virasse como pudesse.

Remar contra a maré sempre fez parte da vida dos fabricantes de charutos.

Duvidam?  Vamos então, dar um breve passeio em quatro tempos distintos.

Em 1892, o jornal A PÁTRIA, de São Félix, bradava [] Imposto de Consumo do Fumo por meio de estampilhas [] vexatório imposto que vai recair sobre o país, especialmente sobre o estado da Bahia [] são responsáveis o Congresso Nacional e o Sr. Floriano Peixoto [] chegamos à conclusão de que [] o imposto federal equivale a uma nova lei seca, calamitosa, [] porque tem sua origem na vontade despótica dos que atualmente governam o país []

Saltemos meio século.

Em 1944, o jornal CORREIO DE S. FÉLIX, em artigo assinado por Oldemar Santos, estudioso dos problemas da atividade fumageira na época, registrava: [] quanto ao produto manufaturado podemos estabelecer os seguintes fatores:
  1. Número ilimitado de marcas em relação ao volume de produção.
  2. Concorrência entre os fabricantes.
  3. Falta de padronização da matéria-prima, garantindo uniformidade das marcas.
  4. Concorrência subterrânea de produtos clandestinos vendidos à margem do fisco.
  5. Ganância dos intermediários distribuidores.
  6. Dificuldade na obtenção de capitais de giro a juros módicos, que permitam o armazenamento maior de matéria-prima.
[] quando visitamos um retalhista de charutos ficamos espantados com o excessivo número de marcas produzidas [] a diversidade de marcas requer um número variado e infinito de rótulos, caixas, etiquetas, material de propaganda, que drena os sacrificados lucros da indústria []

Avancemos agora, mais 40 anos.

Na imprensa internacional especializada, Revista TOBACCO REPORTER, lia-se: A fé [] no futuro tem como fundamento [] a esperança de que não seremos forçados a encarar sucessivos aumentos tributários, nem severas restrições nas publicidades de charutos, do contrário, [] o consumo de charutos sofrerá e isto, por sua vez, está sujeito a um efeito negativo nesta indústria que relativamente intensa fonte de mão-de-obra, não só na Holanda, mas também em outros países (STONE, 1983).

Pulemos outros 25 anos e cheguemos aos dias presentes.

O pesquisador da conjuntura do fumo e sua manufatura, J. B. NARDI assinala em 2007 que [] O setor, em conjunto está numa situação extremamente frágil. A perda progressiva de seus mercados [] faz com que esteja à beira de um colapso, mesmo havendo algumas décadas pela frente, antes de sua provável extinção [] O fumo tem a vantagem de conhecer o futuro [] tem um grande potencial, mas [] pouco explorado [] Diversos fatores ameaçam [] porém, pode permanecer ainda muitas décadas, e até se desenvolver em alguns segmentos, mas precisa por isso de reorganização, pesquisa, estratégias e planejamento.

A atividade fumageira como vimos, sempre se debateu com adversidades.

Ainda no campo das mesmas, anoto que até os anos 80, a presença de charutos oriundos do exterior, era inexpressiva. Hoje, tais produtos estão respondendo por algo a redor de 42% do abastecimento do mercado interno.

Mais ou menos a metade deste percentual, incluindo-se aí a concorrência subterrânea (contrabando), correspondente a charutos premium e a outra metade a charutos da linha intermediária, de preços mais reduzidos.

Tais produtos são extensões de marcas de renome, produzidas com charutos short-fillers, feitos à máquina. O mercado consumidor, todavia não se apercebe da diferença, optando pelos mesmos, em detrimento dos produtos baianos. Muitos consumidores, em compreensível busca de status, têm se deixado levar.

Por último, mas não em último lugar, assinalo que resistência e discriminação contra os charutos não são coisas novas. Mesmo nos tempos nos quais fumar era ato politicamente não contestado, os cigarros desfrutavam de aceitação mais ampla.

Relembro como exemplo marcante, os famosos avisos dentro dos coletivos, É proibido aos passageiros fumar charuto, cachimbo ou cigarro de palha. Cigarros fumavam-se, sem problemas.

Por tudo isso, com o passar do tempo, o consumo dos charutos no Brasil, foi sendo expulso das camadas mais populares, a base histórica da sustentação do negócio. Está resistindo, apenas, nos extratos superiores. Tanto que, com a redução do consumo, aconteceu significativa mudança na configuração da demanda.

Tomando-se por base a estrutura das vendas da Suerdieck no século passado, exemplo mais significativo de presença no mercado nacional, verificamos que os charutos premium representavam percentualmente, apenas 6% no cômputo físico geral. Hoje, a análise da demanda brasileira suprida pelo comércio formal, revela que tal índice anda na casa dos 38%. Numa leitura complementar, conclui-se que o consumo interno das demais categorias caiu de 94% para 62%.

Ao que tudo sinaliza, tal tendência deverá prosseguir, fazendo com que no século 21, os charutos sejam cada vez mais elitizados.  Palestras sobre harmonizações do produto com bebidas diversas e os clubes de aficionados, indicam outros caminhos e abrem novas perspectivas sempre nesta direção.

Entendo que neste negócio, ante o atual dimensionamento do mercado interno, somente sobreviverão, empresarialmente organizadas, as fábricas que se dedicarem aos produtos da categoria premium. Aqueles feitos à mão, com status próprio. Que carregam consigo o toque de sofisticação que transforma cada unidade produzida numa individualidade à parte.

Importante ainda ser dito, que não adianta somente gerar qualidade. Ante às limitações legais impostas à divulgação do negócio, faz-se necessária competência para torná-la disponível e desfrutada. Em especial por se tratar de um produto supérfluo e, cada vez mais, consumido por um público adulto, bem informado e com consciência de saber o que quer.

Adversidades sempre existiram e sempre existirão. Não se deve remar contra a maré. 

Nisto reside o grande desafio para as atuais empresas do segmento.
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Última página

Opinião de um pesquisador

A ameaça que representa a queda e fim do consumo mundial do fumo devido à Convenção Quadro para Controle do Tabaco se situa num horizonte próximo da virada do século XXII, segundo a Organização Mundial da Saúde. Não é para agora, mas há de se preparar [] (NARDI, 2007).

Opinião de um brasileiro

É utopia achar que vão acabar os fumantes. Havendo fumantes, haverá quem produza tabaco.

Se insistirem em erradicar o tabaco do Brasil, ele fatalmente virá por contrabando. Aí mesmo é que nem o dinheiro do imposto teremos.

Consequentemente, seguido da proibição, virá o tráfico do tabaco, que acabará em tragédias idênticas às do Rio de Janeiro.

Sábio presidente Lula, que declarou “Fuma quem quer”. Concordo plenamente.

Luiz Carlos Pauli, Santa Cruz do Sul, RS.
(VEJA Nº 2079).

E, por falar em fumar

Tem moça que quando vê
Um charuto, perde o prumo
E diz: com esta fumaça
Eu nunca me acostumo...
Mas quando está namorando,
Tá doida pra levar fumo.

                            (ANTÔNIO SILVA, 1988).


Pensamento final

Charuto é como um grande amor.
Há que saber manter acesa a chama.
Caso contrário, apaga.
Perde o encanto.
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MANANCIAIS
FONTES ORAIS

Altemir dos Santos Dias
Anatália Conceição da Silva
Antônio Leal Sales
Arend Becker
Arturo Eliseo Toraño
Denis Pedreira Velame
Felix Menendez
Fernando Alberto Fraga
Genádio Borges
Hans Joseph Maria Leusen
Hirohilton Vulpian Vivas
Ivonice dos Santos Conceição
Joaquin Velasco Menendez
José Henrique Barreto 
Lenivalda Matheó
Leonel Dornelas Souza
Luiz Carlos Sandes
Marcus Roberto Dias Santos
Pedro Manoel da Costa
Pedro Rodrigues de Carvalho Filho
Renato Humberto Madeiro
Ricardo Machado Becker
Rose Mary Schinke Martfeld
Rosivaldo Vieira Oliveira
Salvelina Santana Matheó
Ubaldo Marques Porto Filho 
Valdomiro Segedi Bellaguarda de Castro 

ARQUIVOS

Arquivo Histórico Municipal de Salvador
Arquivo Público do Estado da Bahia
Arquivo Público Municipal de Cachoeira
Arquivo Público Municipal de São Félix
Biblioteca Isaias Alves – Depto. História – Universidade Federal da Bahia
Casa da Cultura de Maragogipe
Fundação Gregório de Mattos
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia
Junta Comercial do Estado da Bahia

DOCUMENTOS EMPRESARIAIS

BECKER, Ricardo. Panorama atual da Manufatura Charuteira do Recôncavo Baiano. Palestra proferida na 24ª reunião da Câmara Setorial do Fumo em Cruz das Almas, novembro, 2008.
MENENDEZ & AMERINO & CIA LTDA. “E hora de conhecer os bons charutos brasileiros” – Catálogo: Algo de Novo no Mercado, outubro 1984.
SOUZA CRUZ, OITENTA ANOS DE BRASIL. Publicação dos fascículos encartados na revista VEJA nºs 764 a 771, 1983.
SINDITABACO/BA – Sindicato da Indústria do Tabaco no Estado da Bahia. Diversas estatísticas.
                            Relatório de impacto sócio-econômico das empresas de charutos do Estado da Bahia. Junho, 2008.
SUERDIECK, Gisela. Discurso por ocasião do cinqüentenário da Indústria de Charutos Pimentel, 20/09/1987 – Arquivos do Autor.

SUERDIECK & CIA. Catálogo ilustrado comemorativo do 30º aniversário da empresa. Detmold, Alemanha: Klingenberg Irmãos, 1935.
SUERDIECK S/A Charutos e Cigarrilhos. Boletim Suerdieck Trimestral – Coleção: Nº 1, janeiro, 1949 a Nº 43, dezembro, 1959.

EMPRESAS CONSULTADAS (por anos de fundação)

1873 - CBCD – Cia. Brasileira de Charutos Dannemann

1977 – Fábrica de Charutos Leite e Alves Ltda. (ex-H. Madeiro da Silva)
            Menendez Amerino & Cia Ltda.

1981 - Rose Mary Schinke Martfeld (ex-Paraguaçu)

1997 - Manufatura Tabaqueira LeCigar Ltda.
            Matheó Charutos e Cigarrilhas Ltda.

1998 - CHABA – Charutos da Bahia Ltda.

1999 - Dornelas Charutos e Cigarrilhas Ltda.

2000 - MR Charutos Ltda.

2001 - Josefina Tabacos do Brasil Indústria e Comércio Ltda.

2002 - Tabacos Internacional da Bahia Ltda.

2003 – Indústria de Tabacos da Bahia Ltda.
            Luiz C. Sandes Charutos e Cigarrilhas

2004 - Maria Simões Gomes Velame

2005 - Don Francisco Com. Ind. Import. e Export. de Produtos Vegetais Ltda.

2006 - Manufatura de Charutos São Salvador Ltda.

2007 – R. Vieira Oliveira Charutos
            Tabacos Mata Fina Indústria e Comércio Ltda.

OBRAS GERAIS

ACCIOLY, Ana... [et al.]. Marcas de Valor no mercado brasileiro = Valuable trademarks in Brazil, Rio de Janeiro: Ed. SENAC, 2000.
AGUIAR, Durval Vieira de. Descrições práticas da Província da Bahia. 1ª ed., Salvador: Tipografia do Diário da Bahia, 1888; 2ª ed., Rio de Janeiro: Livraria Editora Cátedra, 1979.
ALMEIDA, Júlio Ramos de. Efemérides Sanfelixtas. Edição datilografada, Novembro 1953.
CASTRO, Anfilófio de. Muritiba, Bahia (Salvador): Tipografia Naval, 1941.
DOURADO, Adalbélia Pires. Discurso proferido no 1º Centenário da elevação da Vila de São Félix à cidade. Cachoeira, BA: Gráfica Aliança Ltda – 25/10/1990.
MARRERO, Leví. Geografia de Cuba, 1ª ed., Havana, Cuba, 1950, reimpressa por La Moderna Poesia, Coral Gables, Florida, USA, 1981.
MELLO, Francisco José de. História da cidade de Cachoeira. Feira de Santana: Editora Gráfica Radami, 2001.
MESQUITA, Augusto Sávio... [et al.]. A cultura do fumo na Bahia: da excelência à decadência. 2003. http://www.seagri.ba.gov.br/fumo_final.doc%20-%20acesso%20em%2014/06/09.
NARDI, Jean Baptiste. Produção e Indústria do Fumo no Nordeste. Palestra proferida na Câmara Setorial do Fumo em Brasília, novembro, 2007.
            Sistema Colonial e Tráfico Negreiro: Novas Interpretações da História Brasileira, 1ª ed., Campinas, SP: Pontes, 2002.
            O fumo brasileiro no período colonial. 1ª ed., São Paulo: Brasiliense, 1996.
            A História do Fumo Brasileiro. Rio de Janeiro: ABIFUMO, 1985.
NASCIMENTO, Anna Amélia Vieira. Memória da Federação das Indústrias do Estado da Bahia. Salvador, 1997.
PORTO FILHO, Ubaldo Marques. Suerdieck, Epopeia do gigante. Salvador, 2003. Manuscrito inédito cedido pelo autor.
SILVA, Elizabete Rodrigues da. Fazer charutos: uma atividade feminina. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2001.
SILVA, Itiel Moraes da. A internacionalização da indústria de charutos e cigarrilhas: o caso Menendez Amerino. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2008.
RIZZIERI, Juarez. A demanda brasileira de cigarros e o efeito da restrição para a veiculação de sua publicidade em meios de comunicação de massa. São Paulo: FIPE – Fundação Instituto Pesquisas Econômicas, 2008.
SOUZA CRUZ. Rapé, Charuto e Cigarro. Mudanças no século XX. Impulso e impostos. Inovações – Lançamentos. www.souzacruz.com.br/oneweb/sites, acesso junho 2009.

ARTIGOS DE REVISTAS

NARDI, Jean Baptiste. “O fumo: símbolo da riqueza nacional”. Arte & Tabaco, Ano I, nº 2, verão 2000/2001: 40-42.
PEDRÃO, Fernando. “O Recôncavo Baiano na origem da indústria de transformação no Brasil”. Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, Nº 92, ano 1996.
PORTO FILHO, Ubaldo Marques. “Suerdieck, o fim do Grande Império”. Charuto et Cia – Pecadilhos e Prazeres, Ano I, nº 5 II, nov/dez/jan 2000/2001: 58-61.
SILVA, Antônio Alves da. “Centenário da Chegada ao Brasil de August Suerdieck”. Literatura de Cordel, 119 estrofes, 1988, pp. 32. – disponível em www.hugocarvalho.tk - Fumaça Mágica nº 253.
STONE, Mark. “Charutos holandeses. A estratégia: mercado agressivo”. Revista Tobacco Repórter, Novembro, 1983 – Tradução por Nellie Scott.

JORNAIS

A CIDADE. “Charutos Pimentel: 50 anos de trabalho em fumos e fabricação de charutos”. Muritiba, BA, Ano IV, Edição especial, setembro 1987: 1-3.
A NOVIDADE. São Félix, BA. Nº 1, Ano I, Fevereiro 1944.
A ORDEM. Maragogipe, BA. Janeiro 1932.
A PATRIA. São Félix, BA. Nº 1, 11/01/1892; Nº 21, 03/04/1892; Nº 22, 07/04/1892; Nº 66, 22/09/1892.
A TARDE. “Advogado acusa a Suerdieck de estelionato em Salvador”. 24/05/1999.
               “Fabrica Leite & Alves”. 06/02/1922.
               “O imposto de consumo. A sua ascensão extraordinária continua”. 14/01/1920.
A VANGUARDA. São Felix, BA. Nº 14, Ano I, 11/01/1925.
ARQUIVO. Maragogipe, BA. Nº 200, Ano 19, 20/04/1970.
CORREIO DA BAHIA. “Dannemann investirá em uma nova fábrica”. 04/08/1988.
CORREIO DE S. FELIX. São Felix, BA. Nº 40, Fevereiro 1942, Ano VIII; Nº 21, 08/10/1944 e Nº 23 de 22/10/1944, Ano XI; Nº 929, 06/05/1953, Ano XIX; Nº 967, 30/01/1954, Ano XX; Nº 968, 06/02/1954, Ano XX; Nº 994, 07/08/1954, Ano XX; Nº 1029, 26/03/1555 Ano XXI; Nº 1052, 17/09/1955, Ano XI.
D.C.I. - DIÁRIO COMÉRCIO E INDÚSTRIA. “Souza Cruz lança Baccarat com campanha de Cz$ 10 mi”.  04/11/1987.
DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DA BAHIA. 10 e 11 de maio, 1986, p 41.
FOLHA DE S. PAULO.  “Suerdieck lança cigarrilhas em embalagem flip-top”. 10/09/1988.
GAZETA DA BAHIA. “Charutos Alonso Menendez”, Jornal Mensal, Ano IV, Nº 48, Setembro, 1981.
GAZETA MERCANTIL. “O longo declínio da venda de cigarros”. 20/08/1985
                                CLEMENTE, Walter. “Menendez cobra charutos em UPC”, 24/10/1984.
                                TIRADENTES, J. A. “O status do charuto”, 13/02/1980.
JORNAL DA BAHIA. “Maragogipe: retrato de um desespero coletivo”. 20/01/1971.
JORNAL DO BRASIL. “Informe Econômico – Charutos”. 14/09/1986.
“Fumantes consomem cerca de duas mil cigarrilhas e charutos em meia hora”. Ano XCV Nº 150, 05/09/1985.
LIMA, Raimundo. “Bahia produz charuto Davidoff vendido no país”. 07/03/1982.
GROPPER, Symona. “Na Bahia, charutos tão bons quanto o havana”.       05/07/1979.
NOVA ERA. Maragogipe, BA. Nº 374, Ano 8, 14/02/1897.
O GLOBO. “Fabricantes realizam a 1ª Noite dos Charutos”. Ed. 5/9/1985.
O PROPULSOR. São Félix, BA. Edição Comemorativa de 15/10/1911.
TRIBUNA POPULAR. Maragogipe, BA. Nº 2, Ano I, Julho 1955.
VALOR. “Mata Fina compra parte da Julien e estréia no mercado de charutos”. 28/04/2008.

REVISTAS

ARTE & TABACO. “Hans Leusen: um holandês-baiano aficionado por novos desafios”. JL. D Planejamento Editorial, São Paulo, Ano I, nº 1, set/out 2000: 18-20.
BRAZIL. A.C. Pimentel & Cia. Ltda. Janeiro, 1982, p 33.
CHARUTO et CIA. “Um cubano na Bahia”. Market Press Editora Ltda, São Paulo, Ano I, nº 3, mai/jun 2000: 54-57.
“Há mais de um século produzindo qualidade”. Market Press Editora Ltda, São  Paulo, Ano I, nº 5, set/out 2000: 58-61.
EXAME. “A Suerdieck quer voltar ao que foi”. 15/10/1986, p 51.
MARKETING. “Baiano com sotaque cubano”. Ano 33, nº 325, Fevereiro 2000: 27-28.
PERSONA. “Hans Leusen. A vitória do otimismo”. Outubro, 1988, p 48
SENHOR. “Suerdieck – Volta à nobreza”. Nº 280, 29/07/1986, p 47.
VEJA. Coluna do Leitor. Nº 2079, 24/09/2008.
         “Maus cidadãos”. Nº 2078, 17/09/2008.
         “Os barões da fumaça”. Nº 1740, 27/02/2002.
         “O havana baiano – Alonso Menendez vai sacudir o mercado”. Nº 684, 14/10/1981.
         “Los cuba(ia)nos”. Nº 576, 12/09/1979.

ANUÁRIOS E ENCICLOPÉDIAS

ANUÁRIO BRASILEIRO DO FUMO 1999. “Charutos e Cigarrilhas - A realidade após o efeito Hollywood”. GAZETA Grupo de Comunicações, Santa Cruz do Sul, 2000: 74:81.
ANUÁRIO BRASILEIRO DO TABACO 2008. Onde há fumaça...”. Cleonice de Carvalho... [et al.]. – Santa Cruz do Sul: Editora Gazeta Santa Cruz, 2008: 112.
ENCICLOPÉDIA DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS. Vol 20, Rio de Janeiro: IBGE, julho 1958.
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O autor

Hugo Adão de Bittencourt Carvalho nasceu em 1941, Porto Alegre, RS.

1960
  • Ingressa na indústria de tintas do Grupo Renner – para a qual trabalhou em Porto Alegre, São Paulo e Salvador. Até 1975.
1963
  • Gradua-se em Economia, pela Faculdade de Ciências Econômicas São Luiz, em São Paulo.
1976
  • A convite do empresário Mário Amerino da Silva Portugal elabora projeto para implantação de uma fábrica de charutos.
1977
  • Participa, como sócio, da fundação da MENENDEZ AMERINO & CIA LTDA., em São Gonçalo dos Campos, assumindo uma das diretorias da empresa. Até 1985.
1978
  • Concomitante ao vínculo com a MENENDEZ presta seus serviços, como diretor e economista, na empresa AGRO COMERCIAL FUMAGEIRA S/A, Cruz das Almas. Até 1981.
1981
  • Concomitante ao vínculo com a MENENDEZ presta seus serviços, como economista, na empresa exportadora de tabacos AMERINO PORTUGAL INDÚSTRIA E COMÉRCIO S/A, Salvador. Até 1984.
1985
  • Constitui a empresa CHARUTOS & ARTESANATOS DA BAHIA LTDA, dedicada ao marketing direto de charutos para consumidores.
  • Inaugura tabacaria no Mercado Modelo em Salvador.
  • Volta a trabalhar na direção da empresa AGRO COMERCIAL FUMAGEIRA S/A. Até 1987.
1986
  • A convite de Gisela Suerdieck assume a direção operacional da empresa SUERDIECK – CHARUTOS E CIGARRILHAS LTDA, com fábricas em Maragogipe e Cruz das Almas. Até 1989.
1987
  • Assume também a direção da empresa PIMENTEL INDÚSTRIA DE CHARUTOS LTDA, em Muritiba. Até 1989.
1988
  • Inaugura outra tabacaria no antigo Hotel Le Meridien, em Salvador.
  • Assume a distribuição atacadista dos produtos Suerdieck no Estado da Bahia.
1991
  • Desliga-se das duas tabacarias e do comércio atacadista de charutos.
  • Transfere residência de Salvador para São Gonçalo dos Campos.
1992
  • Volta a prestar serviços na empresa MENENDEZ AMERINO & CIA LTDA.
1997
  • Passa a escrever crônicas intituladas FUMAÇAS MÁGICAS.
2004
  • Aposenta-se.
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